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Sinopse

Simon é tímido e aparenta impotência nas poucas tentativas de mudar de vida. Ignorado pela mulher de seus sonhos, invisível no trabalho, Simon vê as coisas complicarem ainda mais com a chegada de alguém que é idêntico a ele fisicamente. No entanto, o novato é confiante e carismático.

Crítica

Volta e meia acontece de dois filmes com argumentos parecidos serem lançados quase que simultaneamente. Nós até fizemos um Top aqui no Papo de Cinema com as cinco maiores ‘coincidências’ fílmicas, motivados pelas estreias de Invasão à Casa Branca (2013) e O Ataque (2013), ambos narrando atentados terroristas ao centro do governo norte-americano. Pois se geralmente estes ‘filmes gêmeos’ acabam despertando grande curiosidade do público e da crítica, que buscam acima de tudo os acertos e os erros de cada um a partir de um mesmo tema, curiosamente esta percepção não se repetiu com O Duplo, que chega aos cinemas nacionais com dois anos de atraso, e sua contrapartida O Homem Duplicado (2014), feito depois mas exibido antes no Brasil. No entanto, a despeito de suas similaridades e diferenças, basta uma conferida em cada um destes títulos para perceber que aquilo que o filme estrelado por Jake Gyllenhaal acerta, este outro que conta com Jesse Eisenberg à frente do elenco apenas derrapa.

A premissa de ambos os longas é a mesma: o que você faria se descobrisse que existe uma outra pessoa exatamente igual à você (e não se trata de um irmão gêmeo separado no berço, como os mais criativos poderiam apostar)? Se O Homem Duplicado partia do livro homônimo escrito pelo português José Saramago (vencedor do Nobel), O Duplo não possui origem menos ilustre: sua base é o romance do russo Fiódor Dostoievski, o mesmo autor de Crime e Castigo e de Os Irmãos Karamazov, entre outros clássicos. Este, no entanto, é uma das obras ‘menores’ do autor, lançada em 1846, logo após seu trabalho de estreia, Pobre Gente, e concebido em uma fase considerada ainda prematura do seu trabalho. Ou seja, está longe de ser uma das suas criações mais geniais – tanto que esta é a primeira vez que é levada às telas. E a tentativa de modernização que esta versão apresenta, implicada em uma busca infrutífera por identidade, termina por frustrar ainda mais a experiência do espectador.

O Sr. Goliadkin da vez é Simon (Eisenberg), um burocrata que realiza um trabalho insignificante em um escritório onde ninguém parece tomar consciência da sua existência. Até entrar no trabalho lhe é diariamente proibido, pois o porteiro não o reconhece, obrigando-o repetidamente a retirar um cartão de visitante. A única pessoa a notá-lo é Hannah (Mia Wasikowska), a operadora de fotocópias que sempre desaparece quando ele tenta se aproximar dela. Tudo muda no dia em que ele conhece o novo funcionário da empresa, James (Eisenberg, claro), um homem fisicamente idêntico a ele, porém com postura e atitudes completamente distintas. Intrigado com a semelhança – que ele parece ser o único a perceber – decide se aproximar do seu sósia, inclusive ajudando-o o suficiente para que o novato descubra os meandros do ambiente e use-os em seu benefício. O desconhecido, que à princípio se revela amistoso, logo mostra sua verdadeira face opositora. E caberá a Simon decidir o que fazer para impedir que sua própria vida lhe seja roubada, fazendo o que for preciso para reconquistar sua posição de direito em casa, no trabalho e, é claro, também no coração da amada.

Apadrinhado de Ben Stiller (além de ter aparecido como ator em Vizinhos Imediatos de Terceiro Grau, 2012, estreou como realizador com o simpático Submarine, 2010, produzido pelo astro), o diretor Richard Ayoade deixa claro a todo instante não saber o que busca com O Duplo. A ambientação soturna inspira um drama kafkaniano, porém o uso do humor de exageros implica em uma realidade alternativa em que o filme não se sustenta. A impressão é de que cada um está num filme diferente – o ator, a atriz, o diretor de fotografia, o diretor de arte – e não houve alguém hábil o suficiente para conseguir colocar tudo isso junto de forma harmônica e que fizesse sentido. O final, que poderia soar elaborado para alguns, representa nada mais do que o emprego de uma fórmula já gasta – o tal McGuffin de Hitchcock, o coelho tirado da cartola que, por mais que possa parecer inesperado num primeiro momento, representa a única situação óbvia.

Mas o pior mesmo de O Duplo é o despreparo de Jesse Eisenberg para criar estes tipos que deveriam ser um o oposto do outro – e tudo que ele consegue é fazer duas versões de si próprio. O ator que chegou a ser indicado ao Oscar por A Rede Social (2010) é típico intérprete de uma nota só, e se em outros trabalhos essa deficiência passou desapercebida, aqui a conjuntura apresentada elimina qualquer dúvida. O figurino desastrado e as reações extremas de seus colegas de elenco não são suficientes para convencer a audiência de que se tratam, enfim, de dois personagens distintos. Sem essa crença, todo o mistério do enredo se esvai, e o que se tem é apenas um pastiche, longe do potencial intrincado e envolvente que poderia ser desenvolvido. Exatamente como O Homem Duplicado conseguiu.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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