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Sinopse
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Pegando carona na febre dos true crime (produções baseadas em crimes verdadeiros), O Enfermeiro da Noite reconstitui ficcionalmente o caso do norte-americano Charles Edmund Cullen, assassino suspeito de mais de 400 mortes enquanto trabalhava como enfermeiro. E o filme o identifica logo como alguém perigoso, vide a câmera se aproximando lentamente de seu semblante enquanto alguém agoniza numa cama de hospital, apesar dos esforços da equipe médica. Então, desde o princípio, não há dúvidas sobre o teor criminoso das atitudes do sujeito que o dispositivo cinematográfico expõs ao público imediatamente na cena inicial. No entanto, ele não é o protagonista dessa nova aposta da Netflix. A verdadeira figura central é Amy (Jessica Chastain), colega que se desdobra para cuidar das filhas pequenas enquanto lida com uma gravíssima doença coronária que a coloca diariamente em risco. Charles (Eddie Redmayne) surge na vida dela como o mais amável dos colegas: disposto a ajuda-la, a diminuir suas angústias e a se tornar um suporte emocional importante para essa mulher que tem pouco auxílio externo. Porém, lembre-se: fomos alertados de cara que Charlie é um homicida frio e calculista. Sendo assim, é de se esperar a consolidação de uma contradição ao longo o filme. Pode um sujeito capaz de atos atrozes ser igualmente responsável por gentilezas quase incondicionais? Infelizmente, esse paradoxo rapidamente é minimizado e perde totalmente a relevância.
O Enfermeiro da Noite tem uma dificuldade enorme para desenvolver os diversos assuntos situados no entorno dessa relação de camaradagem entre Charles e Amy. Além das mortes acontecendo repentinamente no turno compartilhado entre os dois, temos a dupla de policiais investigando o que pode ser uma onda de crimes; a conduta do hospital orientada pela autopreservação, custe o que custar; a doença cardíaca de Amy se agravando; e o drama da mulher trabalhadora que precisa arriscar a vida constantemente pela falta de plano de saúde (nisso está embutida uma não tão consistente crítica aos Estados Unidos). Os portadores de distintivos encarregados de resolver o caso não têm personalidade, servindo basicamente para juntar as peças do quebra-cabeça. Nada além disso. Nos momentos de hostilidade entre a funcionária do hospital e o detetive negro, o cineasta Tobias Lindholm – roteirista de filmes como A Caça (2012) e Druk: Mais uma Rodada (2021) – até ensaia tratar do racismo. Nada disso avança. A política da vista grossa dos hospitais é observada superficialmente, nunca ganhando importância como indício de um contexto maior e perverso. Já a enfermidade da protagonista serve pontualmente para nos lembrar que a mulher é mais digna de palmas pela coragem de encarar o vilão enquanto padece de algo mortal. Tudo é reduzido a uma luta entre bons a maus.
O viés social também é tratado como elemento circunstancial. A pressão exercida pela falta de plano de saúde não contempla espaços para reflexões sobre o papel do Estado. Isso porque Tobias Lindholm trata as etapas do calvário de Amy como meros agravantes da situação caótica pelo acúmulo de problemas e de aparentes encruzilhadas. Ao observar os personagens levianamente, ao sugerir diversos tópicos pouco ou insuficientemente desenvolvidos, o cineasta cria uma trama sem foco e inconsistente. Contudo, as fragilidades conceituais não são apenas responsabilidade do roteiro assinado por Krysty Wilson-Cairns. Ao não se decidir entre a teia de relações (supostamente complexas) e a investigação de motivações e impulsos individuais, o longa-metragem cai num vácuo emocional determinante para o seu resultado enfadonho. Nem mesmo os talentos de Jessica Chastain e Eddie Redmayne conferem vitalidade dramática às peças principais desse jogo cênico que mais parece um carro parado no meio da estrada por conta de pane seca. Falta algo que provoque combustão no filme, que o incendeie. Por isso o seu andamento sonolento, em meio ao qual tudo soa rasteiro. É como se numa conversa alguém lançasse mão de múltiplos tópicos graves e os simplificasse na sequência.
O Enfermeiro da Noite é uma produção cujas boas intenções são sabotadas pelo andamento desleixado. A escuridão da fotografia assinada por Jody Lee Lipes sugere um mergulho nas áreas menos luminosas dos personagens. Mas, do que adianta colocar o rosto das pessoas no breu se a encenação não enfatiza esse avanço rumo às sombras delas, se tais obscuridades não servem como atributos fundamentais dos retratos humanos? Do que vale ter em cena Jessica Chastain e Eddie Redmayne se eles são levados a interpretar papeis rasos, respectivamente a “sofredora abnegada repleta de coragem” e o “lobo na pele de cordeiro”? Do que adianta ter o envolvimento da polícia, bem como as críticas implícitas às administrações hospitalares e à responsabilidade do Estado, se no fim das contas as atenções recaem de modo esmagador sobre a vitória pessoal da “guerreira resiliente” sobre o “assassino não menos que perverso”? Além de transformar os elementos humanos em simples joguetes de um thriller mal estruturado (no qual a chama da dúvida não é adequadamente alimentada), o cineasta demonstra pouca ambição cinematográfica pela maneira ilustrativa/informativa como trata imagens e sons. Outro ponto curioso é a natureza assexuada do interesse mútuo entre Charles e Amy. Sintoma de uma Hollywood que anda meio avessa ao sexo como componente narrativo? No fim das contas, temos a seguinte equação: acúmulo de dramas + superficialidade = suspense falho pela sucessão de certezas.
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