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Sinopse

O ano de 2018 marca o centenário do nascimento de Nelson Mandela, o homem revolucionário que se viu no centro do julgamento histórico de 1963 e 1964. Porém, havia outras nove pessoas que também estavam esperando o veredito que poderia levá-los à sentença de morte.

Crítica

O Estado Contra Mandela e os Outros fala do histórico Julgamento de Rivonia, ocorrido entre 1963 e 1964, e que condenou Nelson Mandela e outros nove sujeitos, também acusados formalmente de sabotagem, à prisão perpétua. O medo principal era o da sentença capital, ou seja, a morte desses homens que lutavam contra o Apartheid na África do Sul. Há duas cargas consideráveis no longa-metragem. A política, inerente à reconstrução desse momento decisivo da história africana; e a emotiva, com remanescentes e familiares lembrando-se do evento repleto de particularidades e importância. Como não há qualquer imagem captada no tribunal, os cineastas Gilles Porte e Nicolas Champeaux se valem, como base, do registro sonoro das sessões de depoimentos, das considerações dos advogados de defesa, da promotoria e do juiz encarregado do caso, bem como excertos da efervescência popular gerada na ocasião. Para dramatizar instantes cruciais, surge a bonita animação, criada com traços bastante peculiares.

Portanto, o primeiro ponto positivo da produção é a inconformidade com as famigeradas “cabeças falantes”. A dinâmica narrativa vigente é caracterizada por uma variação engenhosa de dispositivos. No que tange especificamente à animação, possui visual expressionista, basicamente feito do contraste entre claros e escuros. Percy Yutar, o promotor disposto a incriminar exemplarmente os dez membros da resistência a uma política institucionalizada de racismo, adquire contornos de monstro caligarista, pontual e literalmente crescendo diante de bravos interlocutores que apresentam firmeza e convicção. Sendo assim, a técnica serve, inclusive, para tornar visíveis as ameaças simbólicas daquela circunstância. O traço “sujo”, como se os desenhos fossem feitos a carvão ou algo que o valha, são propícios para denotar a nebulosidade do processo judicial fortemente marcado por um etnocentrismo que pregava a inferioridade dos negros com tanta veemência quanto a vista na tentativa de penalizar o grupo de Mandela.

No que diz respeito aos depoimentos, a curiosidade da presença de fones de ouvido, artefato utilizados por todos em cena, é logo suprida com a execução dos áudios para os participantes daquela jornada extenuante. É visível que o novo acesso aos discursos e às bandeiras do passado traz à tona um manancial de sentimentos. Os testemunhos são, assim, marcados por explicitações evidentes de emoção, intimidade devidamente preservada por Gilles Porte e Nicolas Champeaux, que não se dispõem a explorar tais vislumbres com sensacionalismo. O que interessa aos realizadores é o átimo em que o outrora volta com força, inundando de lembranças os hoje idosos que estiveram na linha de frente do movimento. Anos mais tarde, seus esforços culminaram no fim da segregação racial na África do Sul. Olhar para trás é imprescindível, especialmente nos nossos tempos de retrocesso, para, primeiro, colher exemplos positivos, e, segundo, evitar que erros sejam novamente cometidos. O filme faz isso.

O Estado Contra Mandela e os Outros é fruto de um entrelaçamento engenhoso de elementos narrativos, então, propriamente concatenados. Não se apoiando demasiadamente na figura mítica de Nelson Mandela, Gilles Porte e Nicolas Champeaux apresentam o relevo histórico de outros partícipes com semelhante destaque nas décadas que antecederam a soltura. A vontade de estabelecer um diálogo amplo com a História se dá, inclusive, pelo testemunho do filho do promotor, que mira criticamente a atitude profissional do pai, judeu a serviço de um Estado que pregava a inferioridade dos seus. Fazendo uso de imagens de arquivo do exterior do tribunal, registros televisivos da posterior libertação daquele que veio a ser o condutor da África do Sul à era menos sombria, os cineastas conseguem dar conta de oferecer um sólido contexto para amparar falas emocionadas e lembranças dolorosas. Eles driblam as restrições com criatividade, fazendo do documentário uma peça valiosa para a compreensão do episódio.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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