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Sinopse

Na Guerra Civil Americana, um soldado da União é ferido e encontra abrigo num colégio só para moças, onde recebe todos os cuidados para a sua recuperação. Enquanto isso, ele desperta paixões e torna-se o centro das atenções de suas benfeitoras.

Crítica

O velho oeste dos Estados Unidos serviu a vários clássicos dos chamados filmes de faroeste. O Homem que Matou o Facínora (1962), Era uma Vez no Oeste (1971), entre outras dezenas, conquistaram o público por retratar essa região norte-americana que não teve influência direta em questões como a Guerra Civil Americana. Porém, O Estranho que Nós Amamos, ainda que se passe justamente nessa época de conflito entre nortistas e sulitas, traz alguns elementos do cinema de gênero. Só que, ao contrário da massiva produção, o foco é nas mulheres e em como elas viviam o período. O cenário é uma grande casa no meio do caminho do conflito. Ali funciona uma escola para meninas, liderada pela diretora Martha (Geraldine Page). Um dia, uma de suas alunas mais novas, Amy (Pamelyn Ferdin), encontra um soldado do norte ferido. John McBurney (Clint Eastwood) é levado ao local pelo grupo de mulheres para ser tratado e depois entregue às autoridades. Só que a presença masculina desencadeia uma série de eventos que envolvem paixão, desejo e traições.

Don Siegel é um dos diretores mais interessantes a retratar esse marco histórico do EUA. Ele utiliza o pano de fundo da Guerra Civil para ir fundo na psique dos personagens. No mesmo ano ele faria o mesmo, sob outro viés, também com Eastwood (numa parceria que duraria praticamente toda a vida) em Perseguidor Implacável, protagonizado pelo clássico inspetor Dirty Harry. Porém, aqui, o que se vê é muito mais a visão das mulheres sobre os homens, independentemente do lado deles no conflito. Tanto que o fato de John ser um soldado inimigo serve apenas como desculpa para mantê-lo enclausurado. Assim, seu destino é calculado, meticulosamente, por cada uma das garotas, que não revelam seus desejos umas para as outras.

Dessa forma, há vários exemplos: Amy, a garotinha, tem por John uma paixão infantil, de alguém que está entrando na puberdade e vê o homem mais velho como uma espécie de príncipe protetor; a virgem Edwina (Elizabeth Hartman) se apaixona intensamente; a belíssima Carol (Jo Ann Harris) revela, desde o princípio, que seus hormônios estão em alta e se atira pra cima dele, inclusive indo para a cama – algo que causa uma das maiores reviravoltas do roteiro. Nem a diretora se salva, ainda mais com seu passado incestuoso. A escrava Hallie (Mae Mercer) parece ser a única a se dar conta do perigo, ainda que igualmente se sinta atraída por John.

O mais interessante, partindo do roteiro, é como o personagem de Eastwood é ardiloso. Ele sabe o que provoca nas meninas e usa isso a seu favor num jogo de manipulação. Um prato cheio para a versatilidade do ator, que neste longa adota uma postura mais cínica, menos heróica. Quando ele divide a cena com Geraldine Page, o resultado é um confronto de gigantes, pois a atriz utiliza todo o seu talento para compor Martha como uma adversária tão perigosa quanto o estranho dentro da casa. Sua expressão, dura a maior parte do tempo, é até alvo dos pensamentos das outras mulheres locais, como a própria Hallie chega a “falar” (dentro da própria mente) que achava que a diretora não se preocupava com alguém.

Aliás, esse é um dos recursos mais valiosos da narrativa: saber o que os personagens pensam muito além de suas palavras e ações. Enquanto todos vivem uma aura de “normalidade” e educação formal, a câmera de Siegel foca nos rostos. Os pensamentos voam em off. Assim entendemos ainda mais o jogo de interesses que se afunila. Curiosamente, o único a não ter esse recurso é John. Talvez para causar mais suspense no espectador sobre suas reais intenções de ficar na casa ou, ao contrário, por conta do diretor acreditar que tudo sobre ele está explícito. E é entre os ambientes fechados da residência em contraste com os planos abertos do campo que a rodeia, como num faroeste, que percebemos a atmosfera opressora. Em virtude disso, questões psicológicas encapsuladas começam a ficar inquietas quando algo fora da normalidade (a chegada do estranho) acontece.

O Estranho que Nós Amamos não é apenas uma das melhores direções de Don Siegel como também um grande trabalho de elenco, especialmente de Eastwood, Page e Mercer. Entre a claustrofobia de um, o controle da outra e os olhares de quem acompanha receosa tudo de fora, o filme é um trabalho que aborda a sexualidade reprimida e como a biologia se sobrepõe à psique. O desenvolvimento começa lento, mas logo algumas pequenas explosões vão moldando a tensão que assola no local. Pois, é disto que o longa se trata: um terror psicológico dominado por emoções humanas. E como elas podem ser mais aterrorizantes do que qualquer fantasma dentro de um casarão.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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