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Sinopse

Victor Fielding é um pai viúvo, que cria a filha sozinho. A esposa morreu em um terremoto, no Haiti, há 12 anos. Mas quando a menina e sua melhor amiga desaparecem numa floresta e retornam três dias depois sem memória do que aconteceu, o episódio irá desencadear uma série de eventos que obrigarão o pai a confrontar o mal e, em seu terror e desespero, buscar a única pessoa viva que foi testemunha de algo parecido: Chris MacNeil.

Crítica

Um erro comum, frequente na maioria das sequências de O Exorcista (1973) – este é o quinto filme desde então, além de uma série – está em algo presente já no título, mas sobre o qual poucos parecem estar atentos: o longa dirigido por William Friedkin e baseado no livro de William Peter Blatty (o primeiro indicado e o segundo vencedor do Oscar por este trabalho) era sobre o homem que praticava o cerimonial, e não sobre o evento em si (ou seja, o foco estava, portanto, no exorcista, e não no exorcismo), por mais que as cenas da menina Regan (Linda Blair, que nunca conseguiu se desvencilhar dessa imagem) transformada pelo demônio ou vomitando uma gosma verde naqueles que se aproximavam dela sigam impregnadas na memória dos espectadores. Eram os padres Karras (Jason Miller, pai de Jason Patric) e, principalmente, Merrin (o bergmaniano Max von Sydown) os protagonistas, enquanto que o drama da família MacNeil se mostrava ocasional, eventualmente sendo superado (enquanto que os ministros da fé levavam consigo as consequências desse envolvimento). Um lembrete ignorado sem a menor cerimônia por David Gordon Green em O Exorcista: O Devoto, uma nova tentativa (frustrada) de se aproximar do clássico que derrapa tanto na pretensão quanto na inabilidade em recriar algo tão mínimo e, ao mesmo tempo, impactante justamente por trilhar caminhos inversos, apostando no excesso, deixando não claro ter aprendido nada com o original.

Quando soube que uma nova continuação seria filmada, Friedkin, ainda vivo na ocasião (ele faleceu em agosto de 2023, dois meses antes da estreia dessa releitura), teria declarado: “quer dizer que o meu filme-assinatura será refeito pelo mesmo cara que dirigiu Segurando as Pontas (2008)? Bom, eu certamente não quero estar por perto quando isso acontecer. Mas, caso exista um mundo espiritual, e eu consiga voltar, tudo o que quero é possuir David Gordon Green e transformar sua vida em um inferno”. Bom, pelo que se vê em cena diante de O Exorcista: O Devoto, se pode torcer para que o desejo de Friedkin seja alcançado e que ele esteja, nesse exato momento, realizando seu objetivo. Depois de afundar com a saga Halloween com uma trilogia (2018-2021-2022) co-escrita pelo comediante Danny McBride, o diretor se reuniu ao velho colega para atentar, dessa vez, contra outra trama emblemática do gênero terror. E se sua visão sobre o assassino Michael Myers apostava na misoginia e num embate sádico (e aparentemente sem fim) entre o vilão e sua vítima favorita, a sobrevivente Laurie (vivida pela oscarizada Jamie Lee Curtis), ele agora vai além, inserindo uma diversidade religiosa que talvez fizesse sentido se bem administrada (porém, é exatamente o contrário que se verifica em cena), ao mesmo tempo em que faz do recurso já empregado (recuperar a antiga protagonista) não mais do que um chamariz, uma isca para fãs que podem até se aproximar, mas de forma alguma se envolver.

Tanto é que o personagem principal da história dessa vez proposta não é nem um (o exorcista), nem outro (o exorcizado), mas, sim, um dos pais da jovem afetada (seguido o mesmo modelo do longa de cinquenta anos atrás). Victor (Leslie Odom Jr., sem a profundidade exigida, atuando como se estivesse diante de um inimigo a ser combatido, e não uma força sobrenatural vinda do além) cria sozinho a filha, Angela (Lidya Jewett, de Feel the Beat, 2020), após a mãe da garota (e esposa dele) ter falecido como vítima de um terremoto no Haiti, onde o casal passava férias. Aí começa a se manifestar o olhar problemático do cineasta – um homem branco, por sinal: o país caribenho é visto como exótico e propenso a ligações com o inexplicável, desde bênçãos não solicitadas até o uso de ervas e poções que servem apenas para aumentar o mistério, e não como formas de solução e aprendizado familiar. Será durante essa passagem pelo exterior que o homem vivenciará uma situação-limite, gerando um segredo com o qual terá que lidar pelo resto da vida. Esse fantasma voltará para assombrá-lo quando a filha some, ao lado de uma colega da escola, e reaparece três dias depois sem lembrança do ocorrido, do que fez e nem por onde esteve.

A impressão, portanto, é a de se estar falando de um caso de abuso sexual, sequestro ou mesmo abdução alienígena. Os realizadores percorrem essas possibilidades, apenas para atiçar curiosos, até que, com metade da trama em andamento, enfim conseguem reunir coragem para adentrar no que de fato deveria ser o objetivo desde o início: a possessão demoníaca. Mas não de uma – afinal, o excesso parece ser lei na Hollywood dos anos 2000 – mas, sim, duas jovens. Tanto Angela quanto Katherine (a estreante Olivia O’Neill) passam a se comportar de forma estranha, até que adoecem e não mais respondem por si, atendendo apenas pelo espírito do mal que agora toma conta de seus corpos. É no início desse processo que Green, auxiliado pelo co-roteirista Peter Sattler (Marcados pela Guerra, 2014), encontra espaço para uma ponte com o passado: Chris MacNeil (Ellen Burstyn, que afirmou ter aceito o convite, após muita relutância, apenas pelo dinheiro que lhe ofereceram, o qual foi todo doado para gerar uma bolsa de estudos para novos atores na Actor’s Studio, em Nova York) é chamada, pois acredita-se que ela seria a única pessoa a ter passado por experiência semelhante e que, portanto, seria capaz de ajudá-los. No entanto, sua entrada em cena não dura mais do que dez minutos (se tanto), voltando as atenções ao embate em si (tornando evidente a falta de mira dos realizadores).

Linda Blair tinha apenas 12 anos quando participou de O Exorcista, e sua impressionante performance lhe garantiu uma indicação ao Oscar (ela tinha tudo para ganhar, mas quando veio à tona que durante as cenas de possessão era dublada pela atriz Mercedes McCambridge, uma controvérsia se instaurou e suas chances foram reduzidas a zero). Porém, esse foi um personagem definidor de sua carreira, tendo-o revisitado em O Exorcista II: O Herege (1977) e em diversas variações do mesmo tema, inclusive no besteirol A Repossuída (1990), comédia estrelada por Leslie Nielsen. Bom, nem mesmo esse atentado ao bom gosto foi tão desrespeitoso quanto David Gordon Green nesse O Exorcista: O Devoto. Entre brigas de vapores (sim, fumaças travando duelos sobre as cabeças das possuídas) e homenagens involuntárias à sátira A Morte Lhe Cai Bem (1992), o cineasta reúne padre, pastor, sacerdotisas e ministrantes de diferentes crenças como se a multiplicidade fizesse alguma diferença, apenas para ignorá-los em seus efeitos um após o outro. E ainda por fim, oferece às trevas a última risada. Uma vergonha e um constrangimento, que pelo jeito tem tudo para piorar em suas próximas incursões. Que o além proteja os incautos!

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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