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Sinopse

Procurado para uma mulher misteriosa que alega ser ameaçada de morte, um detetive particular logo se vê enredado numa teia de intrigas e mistérios, cuja verdade gira em torno de uma estátua de falcão de valor incalculável.

Crítica

Você já deve ter ouvido falar em filme noir. A estética deste gênero cinematográfico deixou suas marcas na cultura pop e se repete até hoje nos mais diversos tipos de narrativas cinematográficas. De modo geral, são chamadas noir ("preto", literalmente do francês) as produções realizadas em larga escala nos anos 1940 e 1950 nos Estados Unidos. Sucesso de público e crítica, normalmente contavam histórias envolvendo mistérios policiais, detetives calejados, mulheres perigosas e inteligentes e paisagens urbanas sombrias. E se o gênero ensaia ressurgimentos atualmente, com filmes como Caça aos Gângsteres (2013), seu surgimento ocorreu com clássicos como Relíquia Macabra (1941) ou, como foi rebatizado seguindo o título original, O Falcão Maltês.

Primeiro filme dirigido por John Huston, na época um jovem roteirista, o longa foi uma aposta ousada dos estúdios Warner Brothers numa época em que o cinema inglês, tradicional em tramas de mistério, estava com a produção estagnada por causa da Segunda Guerra Acabou virando sucesso ao contar a história de Samuel Spade (Humphrey Bogart, canastríssimo), um detetive particular de San Francisco que perde seu parceiro de trabalho ao fazer uma investigação para a sedutora e misteriosa Brigid (Mary Astor, a personificação da mulher noir). Na medida em que tenta descobrir quem matou seu amigo, Spade acaba descobrindo uma trama internacional envolvendo planos para o roubo de uma estatueta cravejada de joias: o falcão do título.

Em primeiro lugar, ao ver o filme hoje em dia, é preciso lembrar que não se trata de um filme de época. O Falcão Maltês foi efetivamente produzido nos anos 40. Os figurinos eram, portanto, atuais para a época, assim como o fumar excessivo e ubíquo, os penteados e as atitudes afetadas, quase teatrais. Neste sentido, Bogart é canastrão sim, mas não por ser mau ator. Nem os gritinhos e choros falsos de Astor são um descuido. Ambos contam também sobre uma época em que o cinema, literalmente, ainda estava aprendendo a falar (o cinema falado surgira há apenas 14 anos). Além disso, o ator seria indicado ao Oscar por seu próximo filme, Casablanca (1942) que, vale avisar, tem muito de O Falcão Maltês.  Perceber essa linguagem como sintoma de um tempo também ajuda a entender a estrutura do filme como um todo, permitindo uma melhor apreciação.

O roteiro, por exemplo, soa batido para um espectador atual. As reviravoltas são o mínimo esperado de qualquer folhetim policial. Porém, a forma como são traduzidas para a tela, especialmente em termos de decupagem, já demonstram recursos e cânones usados até hoje. Ou seja, ao dirigir o próprio roteiro pela primeira vez, Huston já demonstrou talento singular, encontrando uma voz própria e criando convenções para todo um gênero. Não por acaso, a crítica da época avaliou que o jovem diretor soube combinar a violência e a agilidade do cinema policial americano com a classe e a inteligência do cinema de mistério inglês. O roteiro recebeu uma indicação ao Oscar. E este foi o terceiro remake da obra literária de Dashiel Hammett. Outra indicação (para Melhor Ator Coadjuvante) foi de Sydney Greenstreet, que atua como um dos gangsteres envolvidos na trama. Inglês e integrante de uma trupe de teatro, ele acaba mesmo mostrando uma atuação bem mais naturalista do que os colegas de elenco, mais parecida com o que se utiliza hoje. Talvez por isso ela tenha sido ainda mais impressionante para a época.

Vale ainda ressaltar alguns recursos poéticos utilizados pelo diretor e que ao mesmo tempo ecoam e influenciam trabalhos de gênios do estilo, como Alfred Hitchcock e Roman Polanski. Quando um dos personagens é preso, por exemplo, seu destino é resumido no fechar da grade de um elevador. O mesmo vale para a ponte Golden Gate envolvida na tradicional névoa que a cerca, sugerindo uma cidade envolta em mistérios. Tudo isso deu a O Falcão Maltês sua terceira indicação ao Oscar, a de Melhor Filme. Embora totalmente assimilado pela linguagem de qualquer blockbuster ou filme de baixo orçamento atual, O Falcão Maltês merece ser visto como uma "cartilha", um daqueles lugares de onde saíram as convenções audiovisuais para os mais diversos gêneros. Compreender o filme é também compreender a formação do nosso gosto e da nossa compreensão do que é cinema. Um exercício que, sem dúvida, diverte tanto quanto impressiona.

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é jornalista, mestre em Estética, Redes e Tecnocultura e otaku de cinema. Deu um jeito de levar o audiovisual para a Comunicação Interna, sua ocupação principal, e se diverte enquanto apresenta a linguagem das telonas para o mundo corporativo. Adora tudo quanto é tipo de filme, mas nem todo tipo de diretor.
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