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Crítica
Ao mesmo tempo em que a Netflix segue investindo em parcerias com nomes de peso em Hollywood – como Will Smith, Brad Pitt, Sandra Bullock e até Orson Welles – as produções originais da plataforma de streaming que de fato acabam fazendo sucesso junto ao público são títulos geralmente estrelados por nomes desconhecidos e dirigidos por novatos, que invariavelmente envolvem temas bastante primários, como horror/terror ou comédias românticas. Bons exemplos são Vende-se Esta Casa (2018) e A Barraca do Beijo (2018), respectivamente, ambos desprezados pela crítica, mas donos de registros altíssimos de audiência. Pois com o final do ano se aproximando, mais um subgênero poderá ser adicionado: os filmes temáticos dessa época do ano, ou seja, ‘natalinos’. Só no mês de novembro o cronograma de lançamentos conta com cinco produções inéditas nesta linha – exatamente uma para cada semana! E a primeira a ser lançada é esse O Feitiço do Natal, que não decepciona e entrega exatamente o que promete: uma trama rasa e linear, feita sob medida para agradar corações açucarados, mas que deverá provocar repulsa em qualquer um na audiência com um mínimo de senso crítico.
Este é o segundo longa original da Netflix estrelado por Kat Graham – o anterior, Próxima Parada: Apocalipse (2018), era igualmente problemático, mas ao menos tinha no elenco alguns nomes de destaque e uma produção que impressionava, com variedade de locações e efeitos visuais de peso. Tudo, aliás, que falta em O Feitiço de Natal, que nada mais é do que um telefilme que se fosse exibido em uma emissora de sinal aberto ficaria restrito às sessões vespertinas. Feito quase que inteiramente em estúdio, em dois ou três cenários diferentes, e pouquíssimas cenas externas que são repetidas à exaustão – a panorâmica da cidade, usada para representar cada novo dia, é tão repetida que vira um clichê a mais dentre tantos outros – o filme ressente inclusive de uma fotografia estudada que privilegie os próprios intérpretes, pois estão sempre em close e com expressões exageradas, eliminando qualquer possibilidade de nuance em suas performances.
Aliás, há apenas dois atores de verdade neste elenco: Graham, a protagonista, que se esforça em oferecer alguma credibilidade a uma personagem não mais do que irritante, e Ron Cephas Jones (vencedor do Emmy por sua participação na série This Is Us, 2016-2018). Ela é Abby, uma jovem fotógrafa que ganha do avô (Jones) um calendário natalino. Ao chegar em casa, na manhã seguinte ela percebe que a cada dia o presente libera uma miniatura – um par de botas, uma árvore de Natal, um soldadinho quebra-nozes, uma bengala doce – que, de uma forma ou outra, acabará marcando suas próximas horas. Ao perceber as coincidências, é levada a acreditar que o objeto é mágico, capaz de prever o futuro, e estaria a conduzindo a um romance com o médico Ty (Ethan Peck, de O Preço do Amanhã, 2011), um pai solteiro e charmoso. O que demora a se dar conta, no entanto, é que quem é de fato louco por ela é seu melhor amigo, Josh (Quincy Brown, de Dope: Um Deslize Perigoso, 2015).
Bom, o triângulo amoroso está formado, e não é muito difícil imaginar como ele irá se desenvolver. Se Peck e Brown mal conseguem ir além dos estereótipos que defendem – o galanteador superficial e o apaixonado tímido – está, portanto, nas costas de Graham segurar a atenção da audiência. E se falha miseravelmente, não é por falta de esforço, e, sim, culpa do pobre material que tem em mãos. O roteiro do inexperiente Amyn Kaderali – este é o seu segundo longa, sendo que o primeiro, Kissing Cousins (2008), foi lançado há uma década – se apoia quase que exclusivamente em situações óbvias e pouco criativas, como sequências embaladas pela trilha sonora onipresente que indicam uma total ausência de profundidade capaz de criar algum tipo de identificação. Tudo é por demais perfeito e organizado – a impressão que se tem é que a cidade onde a história é ambientada é a mesma vista em O Grinch (2000), com efeitos e luzes de Natal por absolutamente todos os lados – e não há um único personagem sequer amuado por toda a história: qualquer um visto está constantemente sorrindo. Sem falar na diversidade racial, entre casais e figuras de destaque, tão equilibrada quanto artificial. E se é perceptível a ausência de um homossexual no elenco, o que se tem é mais um ponto controverso: afinal, esse é um filme feito para ‘toda a família’. Sendo assim, por quê assustá-los com um pingo de realidade? Melhor manter o conto de fadas alienante até o fim.
Bradley Walsh, a esse ponto da sua carreira, poderia ser considerado um especialista no formato, após ter dirigido A Volta do Espírito de Natal (2017), Christmas Festival of Ice (2017) e Christmas Encore (2017), todos para a televisão. No entanto, O Feitiço de Natal carece justamente de personalidade, do tão propagado ‘espírito natalino’ que o torne uma experiência diferenciada, e não apenas mais um genérico no meio de tantos. A fixação do cineasta é tamanha que chega a citar em cena outros longas similares da Netflix – como O Príncipe do Natal (2017) e Cartão de Natal (2017) – além de usar como referência máxima o clássico Uma História de Natal (1983). O problema é que, ao mirar nesse último, tudo o que consegue é acertar nestes mais recentes, entregando um produto repleto de fórmulas prontas e tão descartável quanto os seus pares. Em uma determinada cena, quando a prefeita reúne os moradores para o acender das luzes da Árvore de Natal no centro da cidade, a lembrança é quase imediata a uma das melhores sequências de Batman: O Retorno (1992), quando o Pinguim (Danny DeVito) invade a festa exatamente neste momento, causando caos e destruição. Pois é justamente por isso que nos vemos torcendo aqui: um fim imediato, de preferência resultado de um plano mirabolante e diabólico. Ao menos assim talvez alguém conseguisse se divertir.
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Muito boa a crítica! Consegue explicar os pontos fracos do filme, contextualizando com outras produções, sem desmerecer o gênero como um todo, ao contrário de muitos por aí...