Crítica


10

Leitores


6 votos 7.4

Onde Assistir

Sinopse

O Dr. Caligari exibe o seu Cesare, um homem em sono eterno que somente ele tem o poder acordar e controlar. Quando, certa vez, Cesare prevê a morte de Alan, amigo de Francis, esse começa a suspeitar que foi o próprio sonâmbulo e seu mestre quem assassinaram o companheiro. Suspeitas que se confirmam verdadeiras quando sua esposa é raptada pelos dois.

Crítica

O Gabinete do Dr. Caligari pertence a um seletíssimo grupo de filmes verdadeiramente paradigmáticos. Pedra fundamental do Expressionismo Alemão, contém características estético-narrativas tão vanguardistas e singulares que estabeleceu o chamado caligarismo, para muitos historiadores um conjunto de características mais puramente expressionistas, a despeito das variações que o período artístico foi assimilando cinematograficamente ao longo de seu decurso fértil e variado. A importância do longa-metragem de Robert Wiene é, então, essa de romper fronteiras, de apontar à manifestação das angústias de uma Alemanha depauperada, física, emocional e moralmente. A trama é contada por um sujeito que supostamente acompanhou uma onda de assassinatos durante uma feira anual de variedades. Há a utilização do narrador não confiável, que se tornaria uma constante, mas até aquele momento algo pouco utilizado nos cinemas.

Quase a totalidade de O Gabinete do Dr. Caligari é apresentada em flashback, de acordo com o homem que perdeu o amigo (e rival no amor) após a chegada à cidade do Dr. Caligari (Werner Krauss) e do sonâmbulo Cesare (Conrad Veidt), tipos eternizados por conta de suas concepções visuais. Desde o princípio, sobressai a imponência e a imprescindibilidade dos cenários deformados, uma espécie de exteriorização do apocalipse moral motriz de boa parte do Expressionismo Alemão. Linhas ora convergentes, ora divergentes, geometrias se entrecortando e sobrepondo-se umas às outras, sombras imponentes complementadas por pinturas que acentuam a sua vital distorção, todo esse conjunto pictórico confere à cenografia um papel seminal na construção da atmosfera claustrofóbica, próxima, como nenhuma outra até então nas telonas, do clima de pesadelo. É brilhante esse processo de distanciar-se do naturalismo ao valorizar o artificial da encenação.

Dividido em seis atos, O Gabinete do Dr. Caligari dá pistas de que há uma verdade perturbando o relato terrífico sobre mortes sucedendo-se em meio à celebração das novidades no centro da cidade. Aliás, é curioso que Cesare, figura transformada em atemorizante pela maquiagem que lhe sinaliza um abismo simbólico nos olhos, bem como em virtude do trabalho corpóreo de Conrad Veidt – capaz de conferir ao personagem uma movimentação de morto-vivo –, está lotada imaginariamente numa feira de variedades, assim como o próprio cinema em seu nascedouro. Antes de ser compreendida como forma de arte, a Sétima delas também era uma atração de exposições populares, um mistério para o deleite de incautos que ainda não estavam acostumados com o “milagre” da movimentação dos fotogramas exibidos aceleradamente em sequência. Assim, dá para traçar um paralelo direto entre o fascínio exercido pelo sonâmbulo e os primeiros filmes projetados ao público.

Essa relação entre Cesare e o cinema encontra um ponto de convergência na curiosidade suscitada pelo desconhecido. Na medida em que a trama de O Gabinete do Dr. Caligari progride, acentua-se o ambiente de horror desprendido do desenho dos móveis (destaque às cadeiras agigantadas dos funcionários, imposição de desconforto), das caracterizações e do modo como Robert Weine lança mão com maestria da íris. Tal recurso direciona nosso olhar para algo dentro de uma cena ampla. No último dos atos, o filme adiciona aos seus já enormes predicados pregressos uma virada de perspectiva que o ressignifica completamente. Ao pretenso desvelar da versão que dá conta do médico assumindo a identidade de uma personalidade folclórica do passado, sobrevém a verdade, sinalizada excepcionalmente. A pontual readequação do narrador fornece a possibilidade de entrada noutra camada desse longa-metragem nascido inapelavelmente como um clássico.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *