Crítica
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Sinopse
Contratada para trabalhar à noite numa clínica pediátrica, a jovem médica Bianca logo descobre que o lugar esconde um segredo vinculado ao passado como instituição psiquiátrica. Algo bizarro aconteceu com o paciente do leito seis.
Crítica
Uma música pop invade a cena. A poça d’água reflete a fachada estranhamente lilás de um hospital católico infantil. Então, um corpo cai de alguma altura considerável, chocando-se contra o chão e espalhando sangue por todos os lados. Por mais improvável que seja, o cadáver ainda revira os olhos. O Garoto do Leito 6 (2019) nos prepara para algum tipo de giallo estilizado, provável herdeiro do cinema de Dario Argento. Ao longo da trama, alguns planos inclinados e giratórios de uma janela remetem aos corpos femininos caindo da academia de balé de Suspiria (1977). No entanto, as semelhanças param por aí. Em sua primeira experiência na direção de longas-metragens, Milena Cocozza aposta num início realista (marido e esposa com dificuldades financeiras, aceitando um emprego pouco interessante para sustentarem o bebê a caminho) para então mergulhar nos códigos tradicionais dos filmes de terror sobrenaturais norte-americanos. Não demora muito até o hospital lilás da cena inicial se converter no imaginário padrão dos casarões mal-assombrados por onde andam fantasmas durante a noite. Obviamente, a aparição se revela apenas à protagonista, a médica Bianca (Carolina Crescentini), atormentada pelo garotinho que ninguém mais vê.
Há sérios problemas de credibilidade na condução desta história, mesmo dentro do registro do terror sobrenatural. O filme apresenta dificuldade em executar saltos temporais e construir uma tensão gradativa. Em menos de trinta minutos, Bianca está completamente desesperada. Ainda restam noventa minutos, durante os quais a direção repete os ataques, esperando os dez minutos finais para explicar a trama por trás do garotinho fantasma. Os personagens são superficiais: a protagonista constitui uma pediatra que jamais vemos cuidando de uma criança sequer, enquanto os meninos e meninas internados não possuem nome, história nem personalidade, limitando-se a corpos deitados num leito. O principal comparsa de Bianca na luta contra as forças do mal, Francesco (Andrea Lattanzi), constitui um funcionário do hospital que jamais executa qualquer atividade ali dentro. O terror nunca decide em que consiste a sua força opositora: seria uma forma de possessão? Uma alucinação da mulher, um caso de esquizofrenia? O menino morto teria corporeidade ou não? Ele pretende machucar alguém? A direção impede que os personagens interajam com o espaço fundamental do hospital infantil, resumido a um pano de fundo tão imponente quanto inerte. “Não me toque!”, grita Bianca ao marido após uma briga. A ausência de fisicalidade se converte no festival de corpos que caem da mesma janela e se chocam contra a mesma calçada, para desaparecerem segundos mais tarde.
Como se não bastasse a frágil condução narrativa, O Garoto do Leito 6 é bastante prejudicado na pós-produção. As cenas ostentam um trabalho eficaz de iluminação, além de contarem com atores bons demais para o roteiro que lhes é entregue. Crescentini encarna a protagonista como se estivesse num drama psicológico, evitando a expressividade caricatural das scream queens e extraindo o máximo possível da transformação de sua personagem entre a lógica e o descontrole emocional. No entanto, o trabalho sonoro de Lavinia Burcheri transforma qualquer refinamento do material bruto em algo próximo de uma paródia de terror. Os tradicionais jump scares, ou seja, os sustos fáceis intensificados pelo aumento de algum ruído na trilha sonora, são aplicados à exaustão. Enquanto a câmera efetua um de seus incontáveis zooms até a janela dos suicídios (em oito ocasiões, até onde pudemos contar), a edição sonora invariavelmente introduz um som de impacto fácil. Qualquer resposta a uma pergunta sombria, aparição no fundo do corredor ou caminhada noturna desperta um sem-número de explosões sonoras destinadas a provocar susto ou medo. No entanto, devido à saturação, cansam e revelam a artificialidade do procedimento. A diretora não acredita na capacidade do espectador em compreender o teor sombrio por conta própria, guiando-o como um aluno com dificuldades.
Além disso, as mulheres recebem um tratamento contraproducente neste filme dirigido por uma mulher, porém roteirizado por três homens. Bianca se torna um alvo fácil do medo por não conseguir evitar o instinto materno e a tendência “natural” a proteger o garoto. A profissional de ciência se converte na figura histérica, desprovida de razão. A prática de gaslighting, ou seja, de tratar uma mulher como louca para invalidar sua visão de mundo impregna toda a narrativa. Estamos próximos de um torture porn no sentido de expô-la a constante pressão, ridicularização e humilhação. Até encontrar o apoio de Francesco, Bianca se limita à profissional que não trabalha, à esposa desprezada pelo marido, à funcionária rebaixada pelo chefe, à colega com quem nenhum outro personagem conversa. Em paralelo, o flashback envolvendo uma sessão espírita (absurda dentro daquele contexto) é movido por um grupo de socialites frívolas, excitadas pela ideia de conversar com espíritos de crianças mortas. Uma senhora idosa deixa de ver o amado filho sem protestar, enquanto a médica que ocupava o cargo de Bianca antes de sua chegada também correspondia ao perfil afável e inofensivo. Se as forças do mal serão vencidas, isso não ocorrerá por qualquer esperteza ou iniciativa das mulheres, e sim por golpes do acaso. As personagens femininas se limitam a vítimas loucas e bombas hormonais, em oposição ao cinismo e pragmatismo masculinos.
Por fim, o filme transparece problemas graves de direção e produção – vide o corpo que sangra antes mesmo de atingir o solo, ou a caixa pesadíssima que, uma vez alcançada, não contém praticamente nada dentro. Há tiques e recursos convenientes, a exemplo das luzes que se apagam sozinhas na hora de maior tensão, ou as lâmpadas pendentes por um fio, deslizando de um lado para o outro do cômodo de modo a desenhar sombras perturbadoras. Ao final, abrem-se as portas para uma improvável sequência, em cena involuntariamente cômica. O projeto evita se aprofundar tanto no desenvolvimento de sua protagonista quanto no garoto do leito 6, reduzido a uma fantasmagoria padrão (rosto branco, olhos completamente pretos, expressão séria). Cocozza possui um bom elenco e locações excelentes, no entanto, aposta num roteiro que precisaria de muito mais trabalho antes de chegar à fase de filmagem. A saturação de efeitos de surpresa provavelmente constitui uma tentativa de mascarar a fragilidade dos conflitos. O cinema comercial de terror está pleno de projetos que não acreditam ser necessário aprofundar sua trama, porque “é só terror”, e “terror é susto, é fantasma, é ambientação”. Percebe-se nitidamente os casos em que o cinema é rebaixado ao nível do parque de atrações, da montanha-russa encarregada de produzir um mecânico frio na barriga, cujo impacto será esquecido assim que o visitante descer do brinquedo.
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