Crítica
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Sinopse
John administra um motel nos anos 1990. Desde que a esposa o deixou, vive desanimado, o que obriga o filho, Ted, a tomar conta de si mesmo aos nove anos. Tudo muda, no entanto, com a chegada de um andarilho misterioso.
Crítica
De fato, o protagonista de O Garoto Sombrio é um menino bastante... soturno, na falta de uma melhor expressão. É uma pena, porém, que o batismo nacional tenha retirado a perspicácia e objetividade do original The Boy. Afinal, é isso que Ted (o novato Jared Breeze, premiado no Young Artist Awards por este desempenho como “Melhor Ator Protagonista com Menos de 10 Anos”), de fato, é: não mais do que um menino. Mas uma criança ferida, abandonada e que não se sente acolhida onde ficou. Não que seja maltratada, longe disso. Pelo contrário, aliás. Ele tem até liberdade demais. Exatamente o que acaba lhe permitindo ir além de suas fronteiras e dar vazão a uma necessidade de extravasar frustrações, decepções e angústias. Sentimentos que nem bem entende, mas que, ainda assim, os sente. Se o foco do diretor estivesse apenas nesse estudo, sem partir em busca de análises psicológicas baratas ou explicações por demais didáticas, é de se imaginar quão mais intenso o conjunto poderia ter se revelado.
Ted é filho de John (David Morse, em atuação contida, evitando o clichê do adulto relapso, por mais que não consiga se ater ao jovem). Da mãe, mal lembra. Ela foi embora, há um bom tempo, “com o caminhoneiro do quarto 5”, como ele mesmo afirma. Restaram apenas os dois e o motel que está na família há mais de uma geração, um lugar deserto e inóspito. Fica no meio do nada, longe de tudo e de todos, próximo a onde ninguém vai. Não há motivos para alguém parar por ali. A não ser que se invente algum. Que é o que acaba acontecendo com Will Colby (Rainn Wilson, sisudo, mas ainda assim não muito distante do tipo estranho que por anos defendeu em The Office, 2005-2013). Enquanto passava pela região, vindo de sabe-se lá onde e indo para qualquer destino, acabou atropelando um cervo que estava no meio da rua, logo após a curva. Ainda tonto do acidente, é levado pelos donos do único estabelecimento aberto das redondezas.
Não foi John quem colocou o animal no meio da estrada. Nem mesmo Ted. Mas esse não é de todo inocente. Com muito tempo de sobra nas mãos, o menino é dado a experimentos. Sabe que certos bichos vão ser atraídos por um tipo de alimento, e outros por algo diferente. Sem ter com quem conversar, nem um amigo para dividir essas descobertas, gasta seus dias servindo de trabalho braçal, ao arrumar camas e limpando banheiros – afinal, são só os dois para manter a operação em andamento – e, nas horas restantes, explora os arredores. Há muito tempo “morto” em O Garoto Sombrio, mas a maioria é bem empregada. E isso é um acerto da produção. Com não muito a dizer – o longa é baseado no curta Henley (2011), do mesmo diretor, Craig William Macneill (Lizzie, 2018) – o filme investe na ambientação e nesse estudo de personagem, para que o espectador atento possa compreender a formação dessa figura e os porquês dos atos que irá empreender mais adiante.
Se por um lado a narrativa assumida por Macneill – que também é co-autor do roteiro, escrito em parceria com o autor do livro no qual o filme se baseia, Clay McLeod Chapman – é propositalmente morosa, dona de um ritmo no qual os ânimos nunca chegam a se exaltar, é no intuito de oferecer os elementos suficientes para apontar onde esse menino, apto a colher referências e exemplos, mas também a confrontá-los com suas próprias vivências e certezas, começa a se direcionar. É uma personalidade que está sendo construída, e nada – o pai ausente, as companhias transitórias, a mãe que é menos do que uma lembrança, a falta total de amizades – que está ao seu alcance parece ser capaz de evitar o pior. Porém, por mais que isso seja evidente, o cineasta não se cansa em oferecer explicações redundantes e encenar quadros que já foram antecipados.
A previsibilidade ao redor de Ted – tanto o que ele faz, quanto o que sofre – não impede que o longa chegue a uma temida apoteose, almejando ações até então apenas sugeridas, ainda que não tenham sido levadas a sério. Há muitas sutilezas na narrativa, e a falta de pressa em alcançar esse desfecho é importante para que os tratos – e, acima de tudo, os destratos – sejam percebidos e assimilados. Talvez resulte em algo por demais equilibrado, como se A só pudesse levar até B, estabelecendo uma relação firme entre causa e consequência que nem sempre se sucede com tamanha precisão na vida real. Mas o que aqui se tem é ficção, e como ponto de partida para o surgimento da psicopatia e o justo mergulho que essa condição exige, está mais do que condizente. O Garoto Sombrio perturba, é fato, mas não mais do que o esperado.
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