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Crítica


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Sinopse

Precocemente aposentado após um problema dentário, o dublador Afrânio vive apenas na companhia de suas dolorosas memórias de infância. Buscando reintegra-se á sociedade, ele cria um heterônimo: O Gorila.

Crítica

Embora tenha feito bilheteria graúda em 2013 com Alemão, José Eduardo Belmonte tinha um filme muito mais interessante e instigante na manga, realizado antes do seu sucesso de público. Em 2012, o cineasta lançou no Festival do Rio o inusitado O Gorila, baseado na novela homônima de Sérgio Sant’anna, presente no livro O Voo da Madrugada. Por lá, o filme chamou atenção e recebeu dois prêmios importantes: o de Melhor Ator para Otávio Müller e Melhor Atriz Coadjuvante para Alessandra Negrini. Apesar desta boa resposta no festival, O Gorila demorou quase três anos para ser lançado em circuito comercial. Agora que a espera terminou, é possível conferir este belo trabalho de Belmonte, com atuação surpreendente de Otávio Müller.

Em um de seus primeiros trabalhos como protagonista, ele se despe do humor que estamos acostumados a vê-lo e mergulha de cabeça em um personagem paranoico, triste e muito solitário. Na trama, adaptada para o cinema por Cláudia Jouvin, Afrânio (Müller) é um dublador aposentado, famoso pela voz do personagem McCoy em uma série popular de tevê. Com traumas do passado pesando sobre sua cabeça e uma solidão que o enclausura, Afrânio encontra no alterego Gorila uma forma de se libertar. Para tanto, utiliza-se do telefone, usando de sua voz forte e aveludada, para incitar (e tentar excitar) suas interlocutoras com frases de forte teor sexual. É desta forma que ele conhece sua bela vizinha Rosalinda (Negrini), mulher que o ajudará em uma enrascada potencialmente perigosa quando ele faz uma ligação para a pessoa errada.

O maior predicado de O Gorila é a atmosfera de paranoia que José Eduardo Belmonte consegue imprimir em seu filme. Tomando emprestado algumas características do cinema noir e fazendo um interessante paralelo entre o seriado dublado por Afrânio e a situação em que ele se encontra, o diretor constrói um belo trabalho de suspense. Em dado momento, não sabemos ao certo se o que vemos realmente aconteceu ou se é fruto da imaginação do protagonista. Esta confusão condiz completamente com a situação em que se encontra o personagem principal e só agrega ao sentimento de perda que é tão em voga na trama – seja a perda do emprego, do sentido da vida ou mesmo de uma pessoa importante do passado.

Otávio Müller é uma feliz surpresa por conseguir transmitir os dois lados do personagem. Ao telefone, Afrânio é O Gorila, um sujeito seguro, sempre no comando, pronto para dar o bote. Pessoalmente, aquele sujeito se apequena. Sofre de covardia galopante e um terrível complexo de baixa autoestima. Müller trabalha sua expressão corporal e está sempre encolhido quando encontra as mulheres que ligava com seu heterônimo. Ele não se sente à vontade perto delas. O que pode mudar ao conhecer Rosalinda, em uma interpretação iluminada de Alessandra Negrini. A popular garota da porta ao lado é uma mulher independente, desbocada e, nem por isso, deixa de lado uma faceta doce e cordial. Existe muita empatia em Rosalinda e é ela quem pode salvar Afrânio deste estado paranoico. Milhem Cortaz e Mariana Ximenes também são nomes de destaque do elenco, mas ganham menos o que fazer. Se existe um ponto negativo é a pouca utilização de diversos personagens coadjuvantes que povoam a tela, não explorados devidamente pela trama.

Com roteiro inusitado, misturando a fértil imaginação do protagonista com a situação difícil em que ele se encontra, O Gorila é um interessante trabalho de José Eduardo Belmonte. Quem conhece os filmes com pegada mais popular do cineasta, como Alemão (2013) e Billi Pig (2012), pode se surpreender com esta produção menor em tamanho, mas mais profunda em temática. O Gorila está mais próximo em qualidade do superpremiado Se Nada Mais Der Certo (2008), longa-metragem que colocou o nome de Belmonte em destaque em festivais. Isso mostra que temas mais fortes, com uma levada mais séria, parecem se adequar melhor ao estilo do diretor. E que venham mais destas pequenas pérolas.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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