Crítica


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Sinopse

Atração de um shopping, o gorila Ivan se esqueceu de suas raízes. Mas, a chegada de um filhote de elefante vai mudar isso, principiando um desejo de liberdade nunca antes experimentado pelo símio.

Crítica

Por mais incrível que possa parecer, O Grande Ivan é baseado em uma história real. Mas não mais uma dentre tantas de relatos sobre bichos enjaulados que acabaram sendo devolvidos à natureza pela ação de ambientalistas e ativistas. No longa da cineasta Thea Sharrock, a inspiração se deu com a trajetória do animal – no caso, um gorila de costas prateadas chamado Ivan que, nascido em 1962 na África central, foi capturado ainda criança e levado para os Estados Unidos, onde foi adotado por uma família que passou a tratá-lo como uma criança (ou seja, era o filho que o casal nunca chegou a ter). E se isso já soa estranho o suficiente, há outras bizarrices que, pelo fato de terem sido transpostas para a tela grande através de uma produção dos Estúdios Disney, foram devidamente amenizadas a ponto de se tornarem palatáveis ao público infantil. E assim chega-se a um longa que prometia muito, mas resulta em algo que parece nunca atingir o potencial anunciado.

Quando tinha 3 anos de idade e já o tamanho de um gorila adulto, Ivan foi mais uma vez doado. Dessa vez, seu destino foi virar atração em um shopping center regional, uma prática que, felizmente, hoje em dia é proibida na maioria dos países. Só que ele não contava, ao menos naquela época, com a legislação ao seu lado, e portanto acabou condenado a ficar confinado ao ambiente artificial de um centro comercial por nada menos de 27 anos. E assim seguiria, provavelmente, até o dia de sua morte, caso algum curioso não tivesse prestado maior atenção nele e, com isso, descoberto um talento especial: Ivan havia, sabe-se lá como, aprendido a pintar. Isso foi suficiente para que a comunidade local passasse a vê-lo não mais como o que ele de fato era – um bicho, afinal – mas um ser diferenciado, e por isso – e somente por isso – merecedor de liberdade. Protestos e organizações se seguiram, e com o tempo surtiram efeito... ou quase isso. Afinal, Ivan foi, de fato, transferido. Mas não para a floresta, o destino esperado, mas para o zoológico de Atlanta, onde, enfim, as condições para abrigá-lo eram um pouco melhores.

Essa é a história que Sharrock, mais conhecida pelo drama romântico Como Eu Era Antes de Você (2016), pretendia contar. O roteiro de Mike White – que assinou títulos instigantes, como Por Um Sentido na Vida (2002) e Escola do Rock (2003), mas também bobagens como Emoji: O Filme (2017) e A Escolha Perfeita 3 (2017) – escrito a partir do livro de Katherine Applegate, por sua vez, tratou de infantilizar esse processo, a ponto de incluir animais falantes (entre si, ao menos, sem a habilidade de se comunicarem com os humanos) e outras figuras “fofinhas”, como um filhote de elefante (citação de Dumbo, 2019?), um coelho de gravata-borboleta e um cachorro malandro (outra auto-referência, dessa vez ao protagonista masculino de A Dama e o Vagabundo, 2019). No meio de tanta distração, quem sofre é o próprio Ivan, reduzido a uma figura ciumenta e cheia de reclamações cuja segunda chance resulta mais como mérito dos homens caridosos ao seu redor do que um feito pelo qual deveria se orgulhar.

Afinal, o que se ameaça esboçar é um protagonista lamuriento, incomodado por ter perdido a status de principal atração do show circense que estrelava. Bom, esse cenário por si só já é preocupante, pois usar animais em circos é um hábito em desuso há um bom tempo. Pois bem, se escapar por conta própria não parece ser uma ideia fácil – a saga animada Madagascar está aí para mostrar que tudo depende de um bom planejamento – restará depender da iniciativa daqueles do lado de cá das grades: ou seja, do proprietário do circo (papel que desperdiça o talento de Bryan Cranston) e da menina que tem como hábito visitar o grandão peludo (Ariana Greenblatt, de Perfeita é a Mãe 2, 2017).

Ou seja, até pode ser chamado de O Grande Ivan, mas muito pouco de grandioso lhe é dado a oportunidade de protagonizar. Aparecendo mais como um espectador de luxo de sua própria trajetória, Ivan (no original com a voz de Sam Rockwell) é uma daquelas figuras centralizadoras, a qual os outros recorrem quando em apuros, mas que pouco consegue fazer por si mesmo. É fato que consegue desenhar, mas o que disso é feito? Seria apenas ele merecedor de uma vida melhor, pela capacidade diferenciada que exibe? E quanto aos demais – foca, papagaio, galinha e cachorro – não são dignos também de melhores condições? Assim, desviando das discussões mais relevantes e ignorando os debates necessários ao redor da trama sobre a qual discorre, eis aqui um filme até bonitinho de se ver, mas que adquire conotações bastante ordinárias por mais que a respeito dele se reflita.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
3
Marcio Sallem
5
MÉDIA
4

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