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Sinopse

Gato esperto que bola um plano para ganhar dinheiro fácil, Mauricinho faz amizade com um grupo de ratos falantes e passa a oferecer os serviços deles de cidade em cidade para conter infestações de...ratos.

Crítica

Em certo momento, no meio de uma luta entre ratos e humanos, aquele que deveria ocupar com maior tranquilidade o posto de protagonista vira para a câmera e afirma, sem meias palavras: “essa história, afinal, não é sobre eles, e se você está com alguma dúvida, basta prestar atenção ao título do filme”. Seria interessante tal exibição de discernimento e ironia caso essa declaração estivesse ao lado da verdade. Acontece, porém, que nem sempre a mesma se mostra em sintonia com a declarada crença. Em O Grande Mauricinho, por mais que o batismo faça referência a um gato falante e cheio de personalidade, não é exatamente nele que maior parte do enredo se concentra. Essa falta de foco, portanto, pode frustrar alguns dos desavisados, ao mesmo tempo em que reservará algumas surpresas a partir da quebra de expectativas sobre o anunciado. O mais constrangedor, porém, é a opção nacional de mudar o nome do personagem, trocando o refinamento do Maurice original para um Mauricinho não apenas em desuso, mas que carrega consigo uma ideia ultrapassada de comodismo e falta de noção – características, aliás, que definitivamente não se encontram por aqui. Ao menos isso.

Assim como na saga Shrek, o universo por aqui é o dos contos de fadas. Afinal, onde mais um gato capaz de falar, por mais que essa habilidade cause espanto num primeiro momento, passaria quase que desapercebido? A trama está situada mais especificamente da história do Flautista de Hamelin (que até chega a aparecer, porém com um viés ainda mais perverso). Para quem não recorda, trata-se de uma cidade infestada por ratos que, no desespero, contrata um flautista que afirma ter habilidade suficiente para, apenas com seu instrumento musical, encantar os roedores que atormentam os moradores e levá-los para longe. No entanto, quando o músico retorna para coletar seu pagamento, os locais se fazem de desentendidos e se recusam a recompensá-lo. Para se vingar, então, revela que sua flauta não é capaz de apenas agregar pequenos animais, e acaba por hipnotizar as crianças das redondezas, levando-as consigo – e, no processo, deixando os pais desesperados e arrependidos por terem sido sovinas e pelo não cumprimento do que havia sido acordado.

Pois Maurice – ou Mauricinho, na dublagem nacional – é um hábil conversador que engana um grupo de ratos com os quais finge amizade para que esses invadam pequenos vilarejos e, uma vez que a confusão está instaurada, ele e o humano que os acompanha – Keith, fazendo as vezes do flautista – possam se apresentar como solução para o problema (que foi criado por eles mesmos). E assim, todos ganham alguns trocados, ao mesmo tempo em que os ratinhos esperam pelo momento em que serão apresentados a uma terra mágica que existe apenas nas promessas de Maurice (mas que os demais pensam ser real). Em sua última parada, no entanto, encontram um cenário estranho: uma vila desprovida não de pestes, mas da própria comida que seria o objeto de atenção desses. Não há nada para comer, e ninguém sabe quem está causando o desaparecimento das provisões. Uma vez lá, o gato e seus colegas de golpe acabam invertendo papéis, e de malandros passam a ser, realmente, a única opção de socorro para aqueles em aflito. E, assim, tratarão de investigar o que está acontecendo e como acabar com tamanha ameaça.

Estabelecer o que de fato deve ser combatido e como lidar com o problema em questão ocupa quase metade da trama de O Grande Mauricinho, o que por si não chega a ser um mérito, uma vez que com tantas explicações é de se imaginar quem conseguirá permanecer atento por tanto tempo – ainda mais quando levado em conta que se trata de um desenho animado e, como tal, espera-se que maior parte do seu público seja o infantil. Porém, essa parece ser a menor das decisões a afastar o conjunto de uma audiência mais jovem. Há questões sérias sendo debatidas – fome, desamparo, abandono, rapto de menores, mentiras e deslealdade, ganância e lavagem cerebral – e muitos desses assuntos exigem certo preparo para potencializar o debate. Assim, é de se esperar que tais temas encontrem ressonância nos espectadores adultos, não apenas aqueles acompanhando os pequenos, mas, principalmente, os que chegarem até o filme cientes do que irão encontrar pela frente. Há personagens fofinhos e piadas imediatas aqui e ali, mas desde a configuração de um vilão feito pela união de tantas mentes perversas, como o heroísmo possível apenas a partir do ato de se abdicar de anseios individuais, estes são elementos que precisam ser desdobrados para que, enfim, encontrem a profundidade almejada.

Ainda que a dublagem brasileira seja considerada uma das melhores do mundo – Marcelo Adnet e Sophia Valverde são os nomes mais conhecidos do elenco nacional – recomenda-se a quem tiver oportunidade que assista ao filme no seu formato original, para se deparar com o trabalho de composição vocal envolvente oferecido por atores como Himesh Patel, Emilia Clarke, David Thewlis e, principalmente, Hugh Laurie, que faz d’O Grande Mauricinho mais um tipo memorável de sua carreira. Típica figura de moral duvidosa que pela força das circunstâncias é levado a atos coletivos que poucas vezes por ele teriam sido cogitados, lamenta-se que não tenha mais espaço em uma história que deveria ser sua, e não repleta de distrações como a que por aqui se verifica. Afinal, o maior imbróglio verificado em cena se dá entre homens e ratos (tão assustadores quanto os bandidos de Bernardo e Bianca, 1977, de um lado, ao mesmo tempo em que tão adoráveis quanto o protagonista de Ratatouille, 2007). Maurice, enfim, se mostra coadjuvante do seu próprio filme, mesmo tendo carisma e autoridade suficiente para se colocar ao lado de outros felinos famosos, como Garfield ou Felix, por exemplo.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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