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Sinopse

Bilbo Bolseiro, acompanhado do Mago Gandalf e treze anões, está em uma jornada para reaver o Reino de Erebor, que se encontra sob o domínio do dragão Smaug.

Crítica

Ao anunciar que iria segmentar o enredo do livro O Hobbit, de J.R.R.Tolkien, em três longas-metragens – assumindo, portanto, o mesmo formato tríptico adotado na adaptação cinematográfica de O Senhor dos AnéisPeter Jackson despertou a indignação de muitos dos seus antigos fãs. Afinal, se o livro levado primeiro às telas tinha mais de mil páginas – o que justificava a divisão – este agora possui muito menos do que a metade daquele. Mas Jackson está longe de ser leviano em suas decisões, e essa retomada do universo da Terra Média – que tem como propósito narrar os acontecimentos anteriores àqueles vistos na saga vencedora de 17 Oscars – parte de outra importante fonte: uma incrível – e aparente inesgotável – criatividade do cineasta a respeito deste mundo tão particular. E muitas destas novidades – propostas inéditas possíveis de serem experimentadas apenas na tela grande, e não no texto original do escritor – se encaixam perfeitamente à trama de O Hobbit: A Desolação de Smaug, segundo – e superior – capítulo desta nova trilogia.

Smaug, personagem que dá título ao episódio, é o terrível dragão que muitos e muitos anos atrás tomou conta da Montanha Solitária, sede do antigo reino dos Anões. Este povo, dono de grande riqueza, desde que tiveram seu lar usurpado pela fera bestial vagam sem rumo pelo mundo, esperando pela melhor oportunidade de retomarem o que lhes pertence por direito. Em Uma Jornada Inesperada (2012), primeira etapa da saga, presenciamos a escolha do pequeno e insignificante hobbit – seres pacíficos e de tamanho diminuto – Bilbo Baggins (Martin Freeman) para acompanhá-los na função de Ladrão, a partir de uma indicação do mago Gandalf, o Cinzento (Ian McKellen). Se de início poucos entenderam o porquê do apelido que o hobbit recebera, agora sua função fica bastante clara: Bilbo tem como objetivo adentrar sozinho no covil de Smaug, assim que conseguirem invadir a montanha, e roubar a Pedra Arken, preciosidade mística que somente os reis podem possuir. É o que deseja Thorin (Richard Armitage), líder dos Anões e herdeiro natural do trono.

Assim como As Duas Torres (2002), sequência intermediária de O Senhor dos Anéis, A Desolação de Smaug é um filme sem início, muito menos fim. A ação começa logo após o apagar das luzes, exatamente no ponto onde o filme anterior havia encerrado – com todos os expedicionários são e salvos, porém não por muito tempo, afinal os selvagens Orcs seguem no seu encalço. E a correria assim seguirá por mais de 160 minutos, até o término inesperado – e frustrante. Esta decepção provocada, no entanto, se dá justamente por sua ausência. Afinal, quando estamos prestes do clímax da história, ela é abruptamente interrompida, aumentando ainda mais as expectativas em relação à conclusão vista apenas em A Batalha dos Cinco Exércitos (2014), que chegou aos cinemas exatamente um ano após a estreia desse.

Sem ter que perder tempo apresentando personagens e motivações, Peter Jackson e seu co-roteiristas Guillermo del Toro, Fran Walsh e Philippa Boyens criaram para A Desolação de Smaug muito mais do que o próprio Tolkien havia imaginado, transformando este filme em algo mais do que uma mera transposição literal, e sim numa verdadeira reinterpretação cinematográfica. Com um tom mais adulto e intenso, é quase impossível relaxar durante este caminho de tantos perigos e armadilhas. Para isso há duas linhas narrativas, uma comprometida com o desenvolvimento dessa história e outra preocupada em antecipar alguns dos mais significativos eventos que seriam melhor explorados em O Senhor dos Anéis.

Gandalf, Bilbo e os treze anões seguem rumo à Montanha, mas logo seus caminhos serão divididos. A separação se dá na entrada da Floresta Negra, quando o mago parte com a intenção de investigar uma outra ameaça – o surgimento do Necromancer e o retorno de um antigo mal que muitos acreditavam esquecido. Já os pequenos heróis enfrentarão seus maiores medos uma vez dentro da mata, sentindo desde a perda dos sentidos até um embate com aranhas gigantes. É quando aparecem os bem-vindos elfos da floresta, na pele de um saudoso Legolas (Orlando Bloom). Ele, assim como seu pai Thranduil (Lee Pace) e a corajosa guerreira Tauriel (Evangeline Lilly), respondem por algumas das passagens mais emocionantes deste capítulo, principalmente durante a fuga dos anões nos barris rio abaixo. A dinâmica que se estabelece entre Legolas, Tauriel – por quem ele é atraído, mas impedido de desenvolver qualquer tipo de relação afetiva – e o anão Kili (Aidan Turner) forma um curioso triângulo amoroso, mesmo que nunca – até esse momento – concretizado. É preciso destacar também a forte presença de Thranduil, finalmente um ser místico impactante o suficiente para fazer par à poderosa Galadriel de Cate Blanchett.

Há ainda duas novidades que merecem ser destacadas. Primeiro, o humano Bard (Luke Evans), um mercador que terá participação decisiva, não só na jornada dos anões como no destino de toda a Terra Média. E, por fim, o próprio Smaug, que ganha a voz – e o carisma – de Benedict Cumberbatch. O diálogo entre Smaug e Bilbo é nunca menos do que genial, e o confronto do dragão contra todos os anões é de deixar qualquer um sem fôlego. A Desolação de Smaug, portanto, consegue ir além das promessas levantadas no episódio anterior, preparando o terreno com grande habilidade para uma conclusão que tem tudo para ser antológica. A cobiça, a sede pelo poder, o desprezo pelos desacreditados, as surpresas inesperadas, os sentimentos mais básicos e a selvageria inata dos seres, elementos vistos com clareza na luta pela destruição do Um Anel, já estão presentes em O Hobbit, e é uma oportunidade rara e gratificante conferir como cada peça ganhou seu lugar neste imenso quebra-cabeças. Peter Jackson, felizmente, parece ter acertado mais uma vez. E quem ganha, obviamente, são admiradores de um cinema fantástico rico em detalhes e absolutamente competente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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