Crítica

Em meio a uma crise financeira, várias demissões são feitas em um porto de recebimento de carga. É quando um dos funcionários insatisfeitos invade a suntuosa mansão do diretor geral do lugar e mata ele e a esposa, passando a viver no lugar usufruindo dos seus bens. Isso até que, sozinho e isolado, começa a ser assombrado pela própria consciência assassina. Este é o tema de O Homem da Jaqueta Laranja, exibido no XI Fantaspoa.

Inspirado obviamente nas obras mais recentes de Lars von Trier – principalmente Anticristo (2009) e Melancolia (2011) – ao adotar um tom de pesadelo no modo como usa uma trilha dissonante e uma fotografia sempre nublada e dessaturada, além da câmera de mão crua. O diretor e roteirista Aik Karapetian chega mesmo a estruturar sua história através de uma divisão de capítulos que são anunciados por cartelas, tal qual o polêmico cineasta dinamarquês. E funciona, de fato. O Homem da Jaqueta Laranja é incomodativo e tenso no tom que estabelece, eficaz em sua intenção de construir um universo de paranoia. Porém, essa tensão acaba servindo apenas para si mesma, e quaisquer brechas para especulações são fechadas ao espectador. Com tanto esforço para fazer daquele ambiente antipático, ao invés de uma obra atraente em sua estranheza, temos uma que apenas causa repulsa em sua falta de densidade dramática.

A ambientação da mansão logo remete também ao O Iluminado (1980), de Kubrick, e não estranha que a solidão e a neve passem a fazer parte do enredo a partir de certo ponto. Dan (Maxim Lazarev) é uma espécie de Jack Torrance que é perseguido por si mesmo, e essa personalidade dúbia é ilustrada de forma sutil por Karapetian, que ora insere brevemente uma sombra dupla ao pés do rapaz, mesmo este estando sob a luz do sol, e ora brinca com o seu reflexo em espelhos ou no tampão de um piano, instigando a ideia de um oposto de Dan preso dentro dele mesmo. Até quando o protagonista chama duas prostitutas, embora idênticas, elas tem reações e humores diferentes em relação a ele, e o diretor é inteligente ao enquadrar quase sempre uma de cada lado do protagonista. Nada também impede o espectador de interpretar que as garotas de fato nunca estiveram ali e aquilo não foi apenas uma projeção de Dan, que durante a visita chega a ter um longo delírio em que se imagina caçando-as numa floresta – seria o lado assassino querendo emergir?

Porém, se como diretor, Aik Karapetian é habilidoso em fomentar essa curiosidade por um personagem tão repulsivo, como roteirista jamais consegue fazer com que seu filme atinja qualquer grau de complexidade que se permita sequer inferir uma maior profundidade. E o desfecho vem para provar que, embora comece O Homem da Jaqueta Laranja com uma ideia clara, era de um final decente que carecia o seu roteiro, que poderia ter dado um rumo – ou vários – mais interessante(s) a um longa bem estabelecido.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
avatar

Últimos artigos deYuri Correa (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *