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Crítica


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Sinopse

O policial Neil Howie chega à ilha de Summerisle, na Escócia, para investigar a denúncia anônima do desaparecimento de uma jovem. Rapidamente, ele descobre que os habitantes não estão dispostos a colaborar. A tensão e o mistério aumentam quando o homem da lei conhece o Lord Summerisle, líder de uma seita pagã.

Crítica

Na iminência de ser sacrificado, um crente fervoroso apela desesperadamente ao pragmatismo da ciência. O sujeito questiona uma conduta calcada na fé (assim, negando, essencialmente, algo que também o define), na vã tentativa de convencer os algozes que colocam a culpa pela pobre colheita no descontentamento de antigos deuses. O Homem de Palha não se fundamenta necessariamente na investigação, constantemente obstruída, do sumiço da jovem desconhecida numa ilha remota da Escócia. Isso é apenas uma cortina de fumaça para que a verdadeira potência do filme se apresente de modo gradativamente intenso. Howie (Edward Woodward), o protagonista, é policial e, portanto, a autoridade representante da lei. Profundamente católico, ele se depara na pequena Summerisle com gente estranha ao seu cotidiano de homem branco orientado por uma doutrina calvinista. Isso, vide os habitantes ruidosos, alguns flertando abertamente com a filha do taberneiro. Ela retribui gracejos, rompendo com o perverso ideal de castidade imposto às mulheres. As atitudes chocam.

O grande conflito de Howie, porém, não é com a bruma que evidentemente encobre o cenário e dificulta o contato com a verdade. A busca pela desaparecida é apenas um dos sintomas de algo maior na jornada por essa sociedade que soa hostil ao sargento, menos por conta das pequenas transgressões (como as mentiras e os jogos de gato e rato), mais em virtude da negação daquilo que “sustenta” a retidão de sua ética pessoal. Para o forasteiro, determinadas ocorrências são passíveis de escândalo, tais como a dança das desnudas em torno da fogueira num ritual adiante entendido como oferta pagã à Deusa da Fertilidade. Ao questionar o mandatário do lugar acerca daquele absurdo (aos seus olhos), obtém uma resposta ao mesmo tempo jocosa e prática: “é bem menos perigoso pular sobre a fogueira sem roupas, não é mesmo?”. Lord Summerisle (Christopher Lee, numa interpretação excepcional) é o líder que apresenta ao policial esse abismo entre crenças, naturalizando elementos que ao fardado surgem como ofensas tão profundas. São sacrilégios que o ferem intimamente.

O Homem de Palha é um filme particularmente perturbador pela maneira como essa lógica cristã é questionada crescente e frontalmente. Howie desmorona pouco a pouco diante de costumes e práticas condenáveis pelo prisma das sagradas escrituras que balizam o seu puritanismo. O diretor Robin Hardy lança mão, pontualmente, de enquadramentos enviesados e perspectivas beirando o furtivo para acentuar a ideia de descompasso entre o protagonista e o meio que o circunda. É habilidoso esse jogo de cena em que o espectador é supostamente convidado a participar de uma sequência lógica de descobertas e/ou suposições fundamentadas em pistas deixadas para trás. Uma fotografia faltando na parede, o nome da extraviada constando na chamada da escola, a observação de inverdades sendo demolidas pelas sucessivas constatações, são todos componentes dessa narrativa que traveste com as tintas de um suspense comum a trajetória pessoal do homem extremamente questionado em seus valores mais caros. Para Howie o horror é a flagrante tentação.

Os mistérios de Summerisle se desvendam na medida em que o protagonista entra num vertiginoso processo que gera fratura, sensação adensada pela apresentação de cenas como a dos meninos dançando em torno de um símbolo fálico, isso enquanto as meninas aprendem a teoria acerca daquele movimento de celebração da natureza. Há um falso antagonismo entre as crenças pagãs de Summerisle e a devoção cristã. No fim das contas, o desespero por Howie experimentado, ao contrário da obviedade, não se dá exatamente pela afronta aos códigos de sua religiosidade, mas justamente por conta da inconsciente constatação do absurdo dos dogmas que regem, inclusive, a doutrina por ele seguida. O sacrifício para aplacar a ira da divindade, de acordo com o credo local responsável pelo êxito da colheita, não é tão diferente do sacrifício de Jesus Cristo para purificar os pecados do mundo e redimir os demais. Não à toa, mesmo aferrado até o último minuto à sua fé, ele “fraqueja” antes, apelando à razão a fim de mostrar àquele povo certas teses que ofuscam suas verdades.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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