Crítica
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Sinopse
A vida de um pai de família e professor universitário vira de cabeça para baixo quando pessoas aleatórias relatam a presença dele em seus sonhos. Depois de se tornar uma subcelebridade instantânea, ele vai ver esse cenário se inverter quando sonhos viram pesadelos.
Crítica
Paul Matthews (Nicolas Cage) é um professor universitário de êxito acadêmico moderado, parte de uma família comum dentro dos padrões da classe média estadunidense, ou seja, um homem que navega em águas medíocres. Ao dar aula sobre zebras e tentar, em vão, fascinar os alunos sobre a capacidade dos equinos de se camuflarem quando em bando, ele não está muito distante da comunicação um tanto protocolar com as filhas adolescentes. A primeira coisa que incomoda esse sujeito em O Homem dos Sonhos é a própria passividade dentro do sonho da sua caçula. Mais tarde, novamente alguém diz que sonhou com ele tendo comportamentos absolutamente indiferentes numa situação qualquer. E isso se repete até muitas pessoas aleatórias relatarem que andam sonhando inexplicavelmente com Paul. Então, esse sujeito praticamente invisível socialmente se torna, de uma hora para outra, uma espécie de subcelebridade. Suas aulas ficam cheias, a esposa vivida por Julianne Nicholson tem privilégios profissionais por conta desse fato inusitado e suas filhas ganham popularidade na escola. Enfim, figurar nos sonhos alheios faz dele o meme mais amado num raio de gente que envolve inúmeros desconhecidos. O que se segue a isso é uma espécie de crítica social com ares engraçadinhos e vislumbres de perversidade. Sim, pois a mesma sociedade que exalta esse homem pacato e passivo vai asfixiá-lo posteriormente.
O Homem dos Sonhos é dirigido pelo sueco Kristoffer Borgli em sua primeira incursão pelo cinema norte-americano – seu filme anterior, Doente de Mim Mesma (2022), chegou por aqui via streaming. A primeira coisa que chama a atenção no seu estilo é o alinhamento a uma certa tendência pós-moderna de misturar pessimismo, acidez e humor sarcástico, vide a forma como retrata o colapso do mundo do protagonista. Paul não tem controle sobre como a sua vida oscila de modo pendular desde que as pessoas começam a sonhar com ele. Trata-se de um profissional que alimenta frustrações por não ter escrito um livro a respeito de teorias que lhe parecem revolucionárias. Esse é apenas um dos indícios de que ele é um indivíduo pouco afeito a agir, o que abre o caminho até relativamente simplista para interpretarmos sua recorrência nos sonhos alheios como personagem inerte. O roteiro assinado por Kristoffer dá pistas mais do que claras para compreendermos facilmente essa ligação entre o comportamento do protagonista no seu cotidiano e a sua recorrente projeção onírica. E essa objetividade acaba sendo prejudicial ao filme, sobretudo por retirar do sonho exatamente a sua aura misteriosa, ambígua e inalcançável. A única coisa que permanece sem base racional é a dimensão desse fenômeno: por que tanta gente, inclusive que não conhece Paul, é conectada por esse homem a um inconsciente coletivo?
Nicolas Cage promove a criação de um curioso paradoxo ao viver Paul. Personagem considerado invisível, socialmente semelhante a tantos sujeitos de meia idade, o protagonista ganha um tom quase contraditório pelo modo como Cage o concebe na telona – uma vez que o ator não está comprometido com a sutileza, mas trabalhando naquele registro histriônico que acessa como poucos colegas de sua geração. Talvez, sem a dimensão quase caricatural conferida por Cage ao personagem o filme não tivesse esse sabor peculiar entre o irônico e o melancólico, podendo até mesmo se tornar um drama carrancudo sobre os temas inerentes à intersecção entre sonhos e realidade. Kristoffer Borgli disse em entrevistas que se interessou pelo assunto ao ler sobre as formulações do psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung sobre sonhos. No entanto, quando, passada a fase da subcelebridade, Paul se torna persona non grata (porque todos começam a ter pesadelos horríveis com ele). Podemos nos socorrer na teoria de Sigmund Freud chamada Das Unheimliche (o Estranho) para compreender essa virada de chave. De figurinha carimbada e inofensiva, Paul se torna um elemento inquietante justamente porque é familiar (uma figura conhecida) que retorna aos sonhos trazendo à tona sensações que deveriam ficar reprimidas, mas que acabam transbordando. Porém, como o filme não foca nas “vítimas”, o teor freudiano vira especulação.
O grande Calcanhar de Aquiles da nova produção da A24 é o modo oscilante de lidar com os sonhos: ora enquanto terreno indecifrável, ora como projeção de algo facilmente destrinchado por interpretações simplórias mais à mão do nos contam as aparências. Um elemento bastante desperdiçado é a atenção do capitalismo voraz para todo e qualquer fenômeno que possa gerar lucratividade em novas cenários. É ótima a cena da reunião de Paul com os magos da publicidade que desenvolveram sistemas para inserir propaganda nos sonhos alheios, mas Kristoffer Borgli não parece tão interessado em prolongar essa observação – para isso precisaria descentralizar um pouco a trama e desenvolver melhor a coletividade que primeiramente abraça Paul e depois o rechaça como pária a ser exilado do convívio dos demais. Como essa, são várias as ideias apresentadas ao longo do filme e pouco aprofundadas. Além disso, sobressai uma reatividade acrítica. Paul é limitado a reagir ao amor e ao ódio da sociedade por ele, quando muito expondo vaidade e frustração diante das situações antagônicas. O filme não faz muito com sua ambição acadêmica, tampouco com as conexões familiares, se transformando gradativamente num conto moral que desperdiça a natureza indomável da dimensão onírica. Se ele tivesse mais momentos como a patética tentativa de realizar um sonho erótico – com direito a ejaculação precoce e flatos ruidosos –, talvez O Homem dos Sonhos fosse mais do que uma jornada curiosa e exótica.
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