Crítica
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Sinopse
Cecília vive um relacionamento abusivo até seu namorado morrer. Ele lhe deixa uma fortuna de herança, mas ela desconfia que a suspeita morte foi forjada. Cecília começa a ser perseguida por alguém que não é possível enxergar.
Crítica
As duas últimas incursões de um dos maiores monstros da Universal Pictures pela tela grande contaram com astros de renome (ao menos na época) como protagonistas: Chevy Chase (Memórias de um Homem Invisível, 1992) e Kevin Bacon (O Homem sem Sombra, 2000). Ou seja, o fato do primeiro nome do elenco deste novo O Homem Invisível ser o de Elisabeth Moss – ou seja, o de uma mulher, e não o de um representante masculino – pode causar alguma estranheza à princípio, logo se revela um ponto a favor da produção: afinal, aqui, o tal ‘homem’ do título é, de fato, invisível (e, por isso, não precisa de nenhum ator conhecido para ‘interpretá-lo’). Até existe um ator escalado para esse malfadado personagem – Oliver Jackson-Cohen, visto na série A Maldição da Residência Hill (2018) e no religioso O Que De Verdade Importa (2017) – mas desse, o que se presencia são apenas alguns relances no começo da trama e alguma que outra participação pontual. Pode parecer pouca coisa, mas tal grau de comprometimento do realizador – Leigh Whannell, de Sobrenatural: A Origem (2015) – é um bom indício de até onde ele se demonstra disposto a ir em sua versão deste assumido conto de horror.
Tal posicionamento, portanto, se revela fundamental, pois se está diante de uma história que deve causar calafrios, e não fazer do protagonista um herói inesperado (como tentaram John Carpenter e Paul Verhoeven nos longas acima citados) – aqui, Adrian Griffin (Jackson-Cohen) é o vilão, e não há dúvidas a esse respeito. Logo nos primeiros minutos da trama, acompanhamos Cecilia Kass (Moss) se esgueirando em uma complicada operação no meio da noite para fugir da verdadeira fortaleza onde os dois moravam. O casal vendia felicidade para quem os via de fora, mas passava por uma existência de terror constante no dia a dia. Um relacionamento tóxico, do qual ela não conseguia se livrar pelas vias normais, e que ele insistia em perpetuar com ameaças e demonstrações de agressividade. Uma vez refugiada na casa de amigos, ela insiste em manter uma vigilância constante, preocupada com novos ataques ou mesmo com a aparição inesperada do ex-companheiro à sua porta. O trauma, como se percebe, é forte.
Há um elemento, no entanto, que merece ser ressaltado: Adrian é um gênio – como poderia ser diferente? – do ramo ótico, que passou a vida atrás de uma tecnologia que pudesse tornar uma pessoa, na falta de melhor expressão, invisível. Não se trata de uma fórmula mágica que, ao ser ingerida, faz com que o cidadão desapareça. Com um pé voltado ao realismo, o que se vê aqui é uma malha especial que possa criar a ilusão da invisibilidade por refletir toda a luz que sob ela incida. É o que ele precisa, portanto, para não apenas forjar a própria morte, mas também partir para uma nova forma de tortura psicológica com a ex-mulher. Ele facilmente a encontra, e está ali, no mesmo ambiente que ela e os outros – a dúvida quanto a isso não demora a ser dissipada – e seu objetivo é fazer com que pague por ter lhe abandonado. Ou seja, não busca reconquistá-la. Quer, sim, fazê-la sofrer, e não apenas ela, mas também todos aqueles que a ajudaram.
Na maior parte do tempo, portanto, Cecilia Kass está sozinha em cena – ele demora a se manifestar na frente dos demais, pois faz parte do seu plano fazê-la soar como louca – e esta é a oportunidade perfeita para Elisabeth Moss mostrar o seu talento dramático. Ela não apenas enfrenta o desconhecido, num misto de fuga e confrontamento, mas ao mesmo tempo precisa desenvolver artimanhas para neutralizá-lo. É certamente perturbador observar uma mulher indefesa sendo agredida gratuitamente, entre tapas, puxões pelo cabelo e até mesmo sendo atirada na parede. Mas a força dessas imagens se mostra fundamental para se apropriar de uma discussão que, infelizmente, está longe de desaparecer: a violência familiar, aquela que se dá dentro de casa, justamente entre aqueles que deveriam pregar o oposto.
Com esse debate, O Homem Invisível versão 2020 se mostra mais relevante do que um mero entretenimento passageiro. O produtor Jason Blum – indicado três vezes ao Oscar, entre elas por outro projeto que demonstrava alcance similar, Corra! (2018) – foge com propriedade da tentativa de oferecer um novo começo ao tão anunciado MonsterVerse (como o recente A Múmia, 2017, tanto tentou, mas naufragou) e entrega um filme enxuto, sem ligações óbvias com os demais colegas monstruosos, mas eficiente em estabelecer diretrizes para uma realidade mais perturbadora: aquela criada pelos próprios seres humanos. Há violência sem disfarces e exageros narrativos que fazem parte do jogo – o desfecho, por exemplo, chega a provocar embaraço de tão rocambolesco – mas ao ser carregado por uma atriz com plena consciência do que dela se espera e por um cineasta disposto a fazer um bom trabalho, sem exageros ou ostentação, o resultado vai além das expectativas, mostrando-se sólido enquanto peça de uma engrenagem maior e funcional também dentro de sua proposta mais imediata. Um acerto e tanto, mesmo que muitos não consigam ver todos esses méritos.
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