O Homem que Surpreendeu a Todos
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Aleksey Chupov, Natasha Merkulova
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Chelovek, kotoryy udivil vsekh
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2018
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Rússia / França / Estônia
Crítica
Leitores
Sinopse
Pai de família respeitado, Egor é um destemido guarda-florestal. Diante de uma doença terminal, à qual nem a medicina tradicional e tampouco a cultura xamânica oferecem cura, ele decide se transformar em outra pessoa para ludibriar a morte.
Crítica
Muitos espectadores recorrem ao cinema em busca de respostas. Existem, por sua vez, filmes dispostos a desvendar algo, a oferecer resoluções para problemas geralmente complexos demais para caberem em definições. Mas, felizmente, há também exemplares preocupados com abstrações, sensações e indagações, prontos a estabelecer diálogo com quem assiste, sem pressupor a ignorância como trunfo. O Homem que Surpreendeu a Todos demonstra logo de cara sua disposição por colocar-se nesse terreno pantanoso, de difícil determinação. O guarda florestal Egor (Evgeniy Tsyganov) acaba matando dois sujeitos que estavam caçando ilegalmente na floresta. A cena subsequente é esse sujeito pacato recebendo a notícia de que, por conta de uma doença grave, não tem mais do que dois meses de vida. Automaticamente, se desenvolve uma fricção entre vida e morte. O homem que deu cabo dos dois estranhos está diante da iminente finitude. Se o resultado do embate tivesse sido contrário, ou seja, desfavorável ao moribundo, a morte (entidade) sairia em desvantagem?
Os cineastas Aleksey Chupov e Natasha Merkulova deixam migalhas pelo caminho para excitar a curiosidade sobre os personagens e a comunidade. Entre elas, o desespero familiar, a solidariedade dos vizinhos que contribuem com quantias variadas para viabilizar a segunda opinião especialista e o luto precoce abatido sobre o lar ciente de que o patriarca está prestes a sumir. Circunstâncias apresentadas com um naturalismo seco. São evitadas concessões, facilitadores ou rompantes de uma tristeza, então, não desnecessariamente exacerbada, potente justamente por ser contida. Após ouvir da curandeira xamã a história do estratagema mítico para ludibriar a morte – tratada como um fenômeno exterior, não interior –, Egor toma uma atitude absolutamente inesperada. Ele começa a vestir-se de mulher, quiçá para dissolver sua persona antiga com o intuito de que a ceifadeira legendária não lhe reconheça ou talvez visando deixar aflorar um lado anteriormente reprimido pelas tantas convenções. Ambas as respostas podem proceder. Vitais aqui são os vários processos de mutação.
De determinado ponto em diante, O Homem que Surpreendeu a Todos é a jornada silenciosa de Egor ostentando uma aparência que não tarda a causar perturbações. Estas começam no lar, com a esposa, Natalia (Natalya Kudryashova), mudando drasticamente de atitude diante do transformismo. O obscurantismo é tão enraizado que ela chega a esquecer-se de que o corpo antes amado está em franca falência, o condenando ao ostracismo e, adiante, largando-o aos vizinhos. Como uma onda propiciada pelos preconceitos inerentes à coletividade provinciana e violentamente patriarcal, o protagonista deixa de ser merecedor de camaradagem, se tornando um inconveniente a ser anulado. Mas, curiosamente, Aleksey Chupov e Natasha Merkulova não ficam demasiadamente presos ao diagnóstico social, permanecendo fielmente atrelados ao prisma do doente terminal que, dali em diante, emudece completamente. Egor parece aceitar as contínuas agressões como uma sina. Não há investigações de porquês e senões, somente a caminhada dolorosa de alguém prestes a morrer.
Há uma comunicação intermitente entre os âmbitos interno e externo. Seja apelando a uma tola crendice ou aproveitando os últimos suspiros para libertar-se dos grilhões de uma configuração asfixiante, Egor vira uma vítima do entorno, daquilo que lhe escapa à intimidade. A doença que o corrói é praticamente esquecida, pois a turba de discriminadores grita tanto, mas tanto, a ponto de desviar o foco central. Evgeniy Tsyganov tem um desempenho excepcional como o sujeito acabrunhado, cuja introspecção rigorosa é bastante potente. Desde que decide usar vestido, brinco e batom, deixa de ser quem suscita piedade e vira um corpo impiedosamente vilipendiado. Sua passividade pode ser entendida como a aceitação do preço numa eventual barganha com a morte ou enquanto reação possível frente às brutalidades acumuladas ao experienciar outra possibilidade de si. A dupla de cineasta equilibra bem os enunciados e as potencialidades disponibilizadas à intuição do espectador e/ou à sua capacidade de deixar-se levar pelo tom das cenas e pelas consequências dos atos.
Filme visto online no 1º Festival de Cinema Russo, em dezembro de 2020.
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