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Sinopse

A vida e a morte de Timothy Treadwell, ecologista e especialista em ursos. Por treze verões consecutivos, Treadwell foi para o Alasca, EUA, viver desarmado entre esses animais. Nas últimas cinco vezes ele documentou sua viagem com uma câmera.

Crítica

Após rever em casa o ótimo Na Natureza Selvagem (2007), de Sean Penn, fiquei a fim de mais e fui conferir o que tinha na coleção. Lá estava O Homem Urso. Um documentário que havia adquirido há muito tempo e que ainda não tinha assistido por falta de oportunidade e – pasmem – interesse. Para minha surpresa, estava diante de um filme indispensável de Werner Herzog. Um trabalho digno de prêmios relevantes, como melhor documentário da Associação de Críticos de Chicago, da Flórida, Nova York e Toronto. Herzog também foi escolhido melhor diretor de documentário de 2005 pelo sindicato dos cineastas dos Estados Unidos.

O mais interessante foi a semelhança entre objetivos e traços de personalidade dos protagonistas dos filmes citados. Ambos foram enérgicos, idealistas, faziam discursos, refletiam, emocionavam e tiveram suas vidas adaptadas para o cinema em filmes muito bem conduzidos por seus diretores. Tanto Christopher J. McCandless (12/02/1968 - agosto de 1992), o Alexander Supertramp de Na Natureza Selvagem, quanto Timothy Treadwell (1957-2003), o “Tim” do documentário O Homem Urso, foram caras descrentes e desapegados de uma vida, digamos, “normal e tranquila”. Foram bons alunos, tiveram casas confortáveis, pareciam típicos americanos que poderiam ter boas e estáveis vidas. Mas não foi assim.

A relação conflituosa com os pais parece ter deixado marcas profundas e que impulsionou atitudes extremas. Os dois decidiram mudar o curso de suas vidas radicalmente. Para isso empreenderam aventuras solitárias e corajosas, criando personagens que levaram a sério demais, vivendo integralmente uma busca por algo maior. Ambos tinham repulsa pela vida simples em sociedade, pela civilização das grandes cidades. Habitaram regiões selvagens do Alasca, onde puderam explorar lugares repletos de perigos e belezas. Acreditavam que, vivendo no lado selvagem, estariam se libertando do “envenenamento da mente” causado nas pessoas pelo conformismo na busca por bens materiais e por uma carreira de sucesso.

Ambos morreram no Alasca de maneira trágica. Tim e sua namorada foram devorados por um urso. Chris, de envenenamento ou fome dentro do ônibus que se tornou sua moradia. Os dois descobriram que as leis da natureza são impiedosas e que viver no lado selvagem é bem mais arriscado que dar um passo no desconhecido. Foi tarde quando perceberam que entre, a ficção e a realidade, o buraco é extremamente profundo. Outro paralelo interessante está no fato de que estes filmes abordam protagonistas que se refugiaram dos seres humanos, mas, suas histórias foram narradas com altas doses de um emocionante humanismo. Vou deixar as demais comparações de lado e comentar o documentário de Herzog.

Tim Treadwell era mesmo um personagem e tanto. E Herzog sabiamente percebeu seu potencial. Tratava-se de um protagonista de fama mundial por invadir o espaço dos ursos e forçar contato, desprotegido, de uma maneira que mesmo os esquimós evitam há milênios. Por treze anos se instalou na península do Alasca durante o verão, às vezes acompanhado, e, nos últimos anos, com uma câmera na mão, com a qual registrou sua pesquisa. Foi abandonando cada vez mais a vida entre os seres humanos para conviver com os ursos pardos do parque. No último ano estava acompanhado pela namorada. O cara repetia incessantemente aos animais que os amava e ficava transtornado em excesso quando ursos machos matavam os próprios filhotes – maneira de interromper a lactação das fêmeas, o que as coloca novamente em disposição para copular.

Com uma voz por vezes irritante e afetada, vai revelando em suas gravações - sempre em meio à natureza, raposas e ursos selvagens – sua imensa necessidade de atenção, seu ego gigante e detalhes que ajudam a construir traços de sua personalidade e identificar distúrbios psiquiátricos. Afinal, ursos pardos estão entre os animais mais perigosos do mundo! A proposta de Herzog com O Homem Urso revela a luta de um homem contra sua própria natureza. Treadwell parecia viver num mundo fantasioso. O mundo que ele pretendia - natural e pacífico - não era natureza de verdade. Como alguém se submete àquelas condições extremas de perigo e total alienação para negar sua condição de indivíduo, de ser social? Acho que o cara queria se transformar em urso por não se aceitar ou gostar de si mesmo. Talvez não conseguisse mais viver num mundo real onde as pessoas podem ser duras e cruéis. Daí seu desencanto com os ursos machos que mostravam sua crueldade quando sentiam necessidade.

Herzog narra seu filme com sua própria voz em off, questionando seu personagem e interpretando com clareza o material processado. Especialista em lidar com artistas indomáveis do nível de Klaus Kinski, o cineasta comenta a obsessão de seu personagem: “Já vi essa loucura em sets de filmagem antes”. Tim, a propósito, fez testes para atuar e acabou perdendo o papel principal em uma produção. A experiência teria causado depressão e consumo de drogas. Seu final assustador revelou uma ironia e uma tragédia. A ironia é que os mesmos ursos que o salvaram, tirando-o do “mundo de asfalto e aço”, também viriam a tomar sua vida. A tragédia é que seu trabalho era vital apenas para uma pessoa: ele mesmo. O cineasta demonstrou respeito e inteligência ao não revelar ao público o áudio da morte de Tim e sua namorada. Mas ao comentar suas impressões das imagens dos ursos assistidas nas fitas de Tim, foi taxativo: “não há nada de sentimental em relação aos animais e muito menos à natureza – cuja essência é cruel”.

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é diretor de cena e roteirista. Graduado em Publicidade e Propaganda com especialização em Cinema (Unisinos /RS). Dirige para o mercado gaúcho há 20 anos. Produz publicidade, reportagem, documentário e ficção. No cinema é um realizador atuante. Dirigiu e roteirizou os documentários Papão de 54 e Mais uma Canção. E também dois curtas-metragens: Gildíssima e Rito Sumário. Seus filmes foram exibidos em vários festivais de cinema e na televisão. Foi diretor de cena nas produtora Estação Elétrica e Cubo Filmes. Atualmente é sócio-diretor na Prosa Filmes.
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