O Império de Pierre Cardin
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P. David Ebersole, Todd Hughes
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House of Cardin
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2019
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EUA / França
Crítica
Leitores
Sinopse
Além de estilista e designer, Pierre Cardin foi dono de um império comercial. Tendo seu nome estampado em mais de 800 produtos, além de espaços culturais, o artista franco-italiano supervisionou de perto todos os negócios, até os 98 anos de idade. O filme acompanha a ascensão do empresário, da juventude aos últimos anos de vida.
Crítica
Ele foi “elegante”, “chique”, “moderno”, “visionário”. “Um imperador”, afirma uma colaboradora. Tinha a capacidade de transformar o que tocasse em ouro, sugere outra voz. Uma pessoa como ele nasce uma vez a cada século, determina uma colega. “Eu vejo o sol da Itália dentro dele”, declara um italiano. Uma entrevistada lembra que ele é o artista francês mais conhecido na China, frequentemente confundido com o presidente da república. Pierre Cardin teria sido o primeiro a levar roupas de grife ao prêt à porter masculino, o primeiro a apostar em modelos negras e asiáticas, o primeiro a baratear o valor das roupas para ampliar o acesso, o primeiro a visar o mercado internacional de maneira ostensiva. O próprio estilista, com mais de 95 anos de idade, recorda os primeiros vestidos que costurou e a primeira vez que superou as 300 mil vendas nos Estados Unidos – o fato de ser “o primeiro” em qualquer coisa se torna fundamental ao filme. O documentário dirigido por P. David Ebersole e Todd Hughes esclarece seu ponto de vista desde os primeiros minutos: Pierre Cardin foi um gênio, merecendo uma homenagem à altura.
Trata-se de um olhar generoso, em vários sentidos do termo. Os cineastas não medem esforços para obter imagens raras, combinadas com filmagens contemporâneas, entrevistas concedidas à televisão décadas atrás, conversas com amigos, recortes de jornais e animações refletindo os diferentes modelos desenhados por ele. Há material de sobra para sustentar as três principais teses defendidas pela dupla: 1. Pierre Cardin era um visionário dentro da moda, 2. Ele foi um conquistador, adentrando espaços onde estilistas jamais haviam entrado, 3. Ele representa um dos trabalhadores mais árduos do ramo, tendo supervisionado cada objeto ou peça de roupa de sua grife durante mais de 70 anos. O consenso sustenta a impressão de verdade: são convidadas a testemunhar apenas as pessoas que admiram profundamente o protagonista. A tese se torna plausível por meio da repetição, visto que a montagem costura um discurso único: três ou quatro pessoas explicam que ele jamais parava de trabalhar, depois mais três ou quatro lembram a paixão pelas formas redondas, e assim por diante. Tantas pessoas não poderiam estar enganadas, certo?
Ebersole e Hughes apostam no formato mais convencional possível. Eles pretendem legitimar o filme primeiro através dos inúmeros depoimentos de convidados relevantes (Naomi Campbell, Jean-Paul Gauthier, Dionne Warwick, Sharon Stone), e segundo, pelo acesso privilegiado ao protagonista. A câmera acompanha o quotidiano do homem idoso, entre exposições e conferências no ateliê, passando por encontros com estudantes de moda. Finalizado um ano antes da morte do estilista, o documentário se torna um filme-testamento, um dos últimos registros do empresário em vida. Há um constante embate entre o tom elogioso e a busca pela impressão de objetividade (a história contada no nascimento à velhice, o salto entre fatos marcantes, a linearidade e a cronologia). Os cineastas privilegiam o ângulo de Cardin enquanto presidente de uma multinacional poderosa, ao invés de um estilista apaixonado pela moda e pelas formas femininas. O desejo de completude faz com que a montagem salte rapidamente entre roupas, móveis, garrafas d’água, objetos para a casa, salas de teatro e espetáculos de música. O ritmo agradável, facilitado pelas telas divididas e pelo tom despojado das falas, jamais esconde o aspecto de catálogo digital da Maison Cardin. “Ele deu trabalho para o mundo inteiro”, sugere uma entrevistada, a respeito da decisão de fabricar roupas na China. Os preços mais baratos da mão de obra no país asiático teriam alguma importância nesta decisão? Obviamente, a possibilidade sequer é cogitada pelo roteiro.
O Império de Pierre Cardin incomoda por se constituir como versão oficial, praticamente um veículo de sustentação da marca. Por ter sido realizado com Pierre Cardin, ao invés de sobre Cardin, o documentário demonstra um respeito próximo da ingenuidade, ocultando deliberadamente as zonas de conflito. O personagem descrevia a si mesmo enquanto socialista, porém um dos colegas enxerga nele um capitalista exemplar. A narração sustenta a ideia de que o prêt à porter visava apenas baratear a moda e democratizar o acesso ao luxo, contudo, um designer de móveis relata a insistência de Cardin em vender suas cadeiras a milhares de dólares cada. O sucessor nos negócios afirma que ele ficava “muito, muito nervoso” com a venda baixa dos produtos, porém a única reunião comercial do filme apresenta um homem calmo, de argumentação parcimoniosa. Caso a montagem insistisse nas contradições, traçaria um retrato multifacetado sobre o milionário de origem humilde; o homem gay que falava pouco sobre sua sexualidade, e depois se apaixonou por Jeanne Moreau; o empresário que colocou seu nome em tantas marcas que quase perdeu o valor da empresa. Este mesmo material permitiria um olhar questionador à indústria do luxo.
“Quem é Pierre Cardin”?, perguntam os diretores a cada entrevistado. Esta indagação simplificada, com ares de questão filosófica, representa o filme como um todo. Há interesse real na vida e obra deste homem, ainda que filtrada pelas partes que convêm às teses da direção. Com tanto material de arquivo em mãos, surpreende que o corte final mantenha perguntas tão inofensivas quanto “O que significa para você ser sentimental?”, ou ainda “Você ama incondicionalmente?”, disparadas por uma repórter décadas atrás. No que diz respeito à construção da psicologia do estilista, as entrevistas chapa-branca resultam num olhar carinhoso e casto ao personagem. Entretanto, a situação se torna questionável quando a admiração incondicional adentra o mundo dos negócios. Ebersole e Hughes precisariam adotar o mínimo recuo diante dos sucessos e fracassos deste empresário, oferecendo um olhar mais complexo à dominação econômica interpretada enquanto modelo de sucesso. Há um teor amargo no olhar deslumbrado à fortuna, sem questionar as bases de sua construção. Para quem buscar uma porta de entrada ao trabalho de Pierre Cardin, o filme cumpre didaticamente seu papel. Na ausência de olhar crítico dos cineastas, caberá aos espectadores abraçar com bastante precaução este discurso laudatório.
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