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Sinopse

Toni é um cristão libanês que mora em Beirute. Todos os dias ele rega as plantas de sua varanda. Numa dessas ocasiões, acidentalmente, acaba molhando Yasser, um refugiado palestino. Assim começa um desacordo que evolui para julgamento e toma dimensões nacionais.

Crítica

Tony Hanna é libanês cristão. Yasser Abdallah Salameh é refugiado palestino. Os dois estão em Beirute. O primeiro é dono de uma oficina mecânica, está, ao lado da jovem esposa, à espera de um bebê, e passa seus dias ouvindo pregações político-religiosas na televisão. O segundo é capataz – não regularizado, importante destacar – de uma série de obras que estão sendo feitas no bairro onde o outro mora. Cada um no seu rumo, na sua vida, sem interferências nem atritos que pudessem colocar um no caminho do outro. Mas uma pequena bobagem, que em qualquer outro contexto seria irrelevante, acaba assumindo proporções inimagináveis para os dois. E, assim, O Insulto se transforma em algo muito maior do que os atos que vemos discorrer na tela. O surrealismo de tudo tanto transforma quanto incomoda. E, justamente, por ser um retrato de uma realidade tão específica, se mantém distante daquilo que aceitamos como crível, permitindo interpretações extremas.

Dito isso, é preciso estar alerta: O Insulto é um conto propenso aos exageros. É preciso boa vontade para seguir crente a cada desenrolar dos acontecimentos vistos em cena – alguns dignos das mais populares novelas mexicanas. Mas, por outro lado, é evidente que o interesse do diretor e roteirista Ziad Doueiri (Lila Diz, 2004) está mais em estender seu olhar sobre a atual sociedade libanesa do que em analisar as repercussões deste pequeno incidente. Tony e Yasser são apenas arquétipos, fantoches a serviço de um escrutínio a respeito da divisão que se impôs nessa realidade até os dias de hoje. A Guerra Civil Libanesa chegou ao fim em 1990, mas seus reflexos ainda seguem vívidos no presente. É por isso que se faz particularmente necessário um exercício de empatia, para que se entenda as reais proporções do que vemos acontecer na trama.

Yasser está passeando pela rua, verificando o andar dos trabalhos. Tony está em casa, molhando as plantas de sua sacada. A calha, no entanto, está quebrada, e a mesma água que joga sobre seus vasos acaba escorrendo na calçada, molhando quem por lá passar. Coincidentemente, Yasser é atingido por alguns respingos. Mas isso não desperta nele fúria. É apenas um acidente, é sabe disso. E como está trabalhando justamente nas melhorias da região, se prontifica a consertar o problema. Só que Tony, ao recebê-lo em sua porta, identifica seu sotaque palestino, fecha o rosto e recusa qualquer tipo de ajuda. O preconceito se manifesta, e é neste ponto em que as coisas começam a se complicar. Pois Yasser não se dará por vencido – a calha está na rua, ele pode fazer o conserto pelo lado de fora do edifício e, com isso, mostrar ao outro sua competência. Quando o dono da casa percebe que tal reparo será feito sem a sua anuência, destrói o conserto sem pensar duas vezes. E, isto posto, as ofensas serão cada vez maiores.

O filme é eficiente em mostrar os dois lados dessa moeda, ao menos na sua metade inicial. Entendemos a ofensa sentida por Tony, mas também compreendemos o quão importante era para Yasser fazer a sua parte. Nenhum agiu errado, ou teriam os dois cometido erros? O certo é que não há apenas um que possa ser apontado como responsável por todos os enganos. É por isso que dois personagens coadjuvantes – o patrão de um e a esposa do outro – se revelam imprescindíveis ao debate, pois soam como a voz da razão para ambos os lados. “Vamos se acalmar, um pede desculpas ao outro e tudo volta ao normal”, dizem. Mas ninguém quer dar o braço a torcer. Afinal, há muito mais em jogo do que se pode depreender a partir de uma análise superficial.

É de se lamentar, no entanto, que o extremo seja o tom assumido pela narrativa. Tudo parece por demais exagerado, ainda mais ao espectador brasileiro, tão distante da realidade que aqui se impõe. Atuações como a de Adel Karam, que oferece ao seu Tony Hanna um aspecto quase robótico, sem nuances ou camadas, prejudicam a leitura dos eventos que se sucedem. Ainda mais tendo ao seu lado um ótimo Kamel El Basha, que pela performance como Yasser foi premiado como Melhor Ator no Festival de Veneza. Primeiro longa produzido no Líbano de todos os tempos a ser indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, O Insulto começa de forma instigante, apenas para se ver reduzido a um mero drama de tribunal – quando o próprio presidente do país chama os dois inimigos para uma tentativa de reconciliação, o absurdo da situação se faz ainda mais óbvio. Seu discurso é válido, com certeza. Mas ao invés de seguir o mesmo tom de seus personagens, poderia ter evitado certas hipérboles e buscado mais as entrelinhas. Com isso, o que seria privilegiado é o aspecto humano da questão, e seu debate se faria ainda mais abrangente.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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