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Sinopse

Dois homens de negócios têm o seu sócio morto por um assassino, que começa a chantageá-los para controlar sua empresa. É quando os dois empresários de classe alta têm de deixar que o assassino e seus modos de periferia se aconcheguem na sua confortável rotina.

Crítica

Depois de dois trabalhos, Os Matadores (1997) e Ação Entre Amigos (1998), que o fizeram ser considerado um dos realizadores mais promissores do cinema nacional na segunda metade dos anos 90, o paulista Beto Brant viu a consagração definitiva chegar logo no início do novo milênio. Com O Invasor, o cineasta atingiu o ápice da fórmula que caracterizou a primeira fase de sua obra, dominada pela apropriação dos códigos do cinema de gênero – o filme policial, o suspense – e pela inserção deles no contexto social e histórico particular brasileiro. Baseado no romance homônimo do escritor Marçal Aquino – que refaz, ao lado de Renato Ciasca, a parceria com Brant na criação do roteiro – o longa apresenta a história dos amigos Ivan (Marco Ricca) e Gilberto (Alexandre Borges), sócios em uma construtora.

Planejando participar de um esquema de licitação pública, eles decidem contratar um matador de aluguel, Anísio (Paulo Miklos), a fim de eliminar Estevão (George Freire), sócio majoritário da construtora que reprova o arranjo ilegal. Feito o serviço, Ivan começa a ter crises de consciência, agravadas pela presença de Anísio, que chantageia a dupla, se infiltrando em seu cotidiano e iniciando um relacionamento com Marina (Mariana Ximenes), filha de Estevão. Com essa teia de conflitos estabelecida, Brant examina a dicotomia social que constitui a realidade do país, onde universos geograficamente próximos, porém distantes nos aspectos econômicos e culturais, entram em choque, revelando pontos de convergência até então ocultos. Inicialmente, o cineasta envolve o espectador em uma atmosfera de familiaridade, seja pela ambientação comum à classe média – a empresa, as boates, os apartamentos – ou pela própria estrutura da trama policialesca.

O grande trunfo de Brant, contudo, é justamente a quebra dessa sensação familiar, que se dá pela entrada efetiva de Anísio em tal universo. Visando potencializar o efeito da ruptura, Brant preserva a imagem do matador durante quase todo o primeiro ato, fazendo dele um observador sem face – na cena de abertura, o encontro com Ivan e Gilberto para acertar o trabalho, a câmera subjetiva representa seu olhar, analisando o mundo que está prestes a invadir. Ao expor o personagem, quando este surge no escritório da construtora, o estranhamento que se cria é natural, inevitável, acentuado pela figura peculiar de Miklos – da fisionomia ao modo de falar, se vestir e se mover. Um corpo indesejado, que rapidamente domina o ambiente, se aproveitando da fragilidade dos protagonistas, que não sabem como reagir a essa entidade desconhecida.

Anísio, por sua vez, reconhece o universo dos engenheiros como a representação de uma imagem propagada, vendida (pelo cinema, TV e publicidade), que ele ambiciona – vendo a luxuosa casa de Marina como o palácio de seus sonhos e o emprego que o próprio cria para si na construtora como a chance de “virar patrão”. Sua ambição estreita a linha entre os universos do longa, deixando à mostra suas semelhanças. A fala de Gilberto, nos primeiros minutos de projeção, dizendo a Ivan que, mesmo não puxando o gatilho, ele também tem as mãos sujas, sintetiza a constatação de Brant de que a criminalidade e a corrupção estão incrustadas nas classes mais abastadas tal qual na periferia, diferenciando-se apenas por seu tratamento velado. Algo que o próprio Gilberto – homem infiel, sócio de um prostíbulo, mas que ostenta a fachada de bom pai e marido – acaba simbolizando.

Para os habitantes desse terreno de aparências, Anísio é a tradução de seu maior medo: de ver sua bolha invadida, ter de dividir seu espaço, ser obrigado a tratá-lo como igual. Com isso, Brant também reflete sobre o enfraquecimento da luta de classes pela igualdade coletiva em favor da valorização da ascensão social individual. Tais reflexões são expostas em um registro carregado de urgência, bem menos formal que os trabalhos anteriores do diretor. Mesclando a película 16 mm e o digital, Brant filma com uma câmera inquieta, que capta o realismo cru do ambiente urbano ao mesmo tempo em que lhe imprime, quando necessário, uma qualidade quase onírica, como se refletisse a desorientação causada pela angústia de Ivan ou o efeito lisérgico das drogas consumidas por Anísio e Marina.

Para dar corpo a esse sentimento de veracidade, o trabalho do elenco é fundamental. Ricca exibe a competência habitual no personagem de jornada mais transformadora, sendo acompanhado por Borges e Ximenes. Mas o destaque é mesmo Miklos, músico dos Titãs que demonstra grande desenvoltura estreando como ator. Tendo o rapper Sabotage – responsável pela maioria das canções da trilha sonora e que também faz uma ponta em uma cena brilhante, servindo para acentuar o senso de deslocamento da presença de Anísio – como consultor, garantindo a legitimidade de seu comportamento – trejeitos, gírias – Miklos compõe uma figura verdadeiramente marcante e ameaçadora. Com todos esses elementos funcionando harmonicamente, Brant propõe uma inversão da invasão, quando Ivan é engolido pela paisagem da periferia na madrugada. Atordoado, ele agora é o bandido nessa fusão de realidades, correndo com arma na mão em busca da redenção impossível. Uma sequência confirmadora de toda a inegável força de O Invasor, que mesmo apresentando inconsistências – por exemplo, o tratamento dado a figuras coadjuvantes como a amante de Ivan vivida por Malu Mader – oferece um retrato incisivo do Brasil dos anos 2000, cujo impacto exercido na época de seu lançamento, invadindo a cinematografia nacional como algo genuinamente incomum, estética e tematicamente, permanece intacto.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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