Crítica
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Sinopse
Guiado pelas palavras do imã local, o jovem muçulmano Ahmed, de apenas 13 anos, se convence de que sua professora é uma pecadora e por isso decide matá-la. Ele precisará lidar com a consequências de seus atos, as tentações da vida e o seu primeiro amor.
Crítica
Ahmed não é mais do que um adolescente, quase uma criança. Mas já tem ideias bem fortes sobre o mundo e o que quer para si. E isso nem é algo que ele tenha aprendido em casa, na escola, ou entre amigos. Essa visão aparentemente tão consolidada provém da mesquita que frequenta todos os dias e das conversas regulares que mantém com o imã local. Desligado da família, de colegas ou mesmo de outros exemplos que possam servir de influência, ele faz dos discursos que houve nos encontros religiosos ou em sites e vídeos pela internet mais do que uma doutrina, mas uma lei pela qual deve guiar cada um dos seus passos. Este é o cenário ao qual o espectador de O Jovem Ahmed é apresentado, sem meias palavras ou imagens preparatórias. Tudo é muito bruto e direto. Ao mesmo tempo, esse discurso se mostra rapidamente envelhecido, para não dizer problemático, mesmo diante de uma trama com menos de 90 minutos, justamente por esquecer as diversas matizes que existem entre o preto e o branco.
Uma sequência é pontual logo no início da história de O Jovem Ahmed. A mãe do garoto está preparando o jantar, para ele e os irmãos, ao mesmo tempo em que cobra respostas do garoto. Por quê ele se recusa a cumprimentar com educação a professora? Justamente aquela que tanto se esforçou, anos atrás, para que ele aprendesse a ler e a escrever, a despeito de uma possível dislexia? Ah, porque o alcorão não permite, porque ela namora um homem judeu, porque insiste em abrir o mundo dele e dos demais alunos, ao invés de encarcerá-los numa visão limitada da realidade – exatamente como os líderes religiosos tanto se esforçam em manter. No meio do bate-boca, o protagonista chama a mãe de bêbada. Ela fica em estado de choque, pede que repita a ofensa, mas ele se recusa. Assim será seu comportamento, ditado por ações dissimuladas e posturas escusas, trilhando pela mentira e negação, enquanto tenta impor como único o modo de vida que abraça sem ressalvas. Como se todos os homens que um dia ele irá se tornar fossem iguais.
Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne construíram uma das mais interessantes filmografias contemporâneas, tendo realizados juntos filmes emblemáticos e repletos de matizes, como A Criança (2005) ou Dois Dias, Uma Noite (2014). Em O Jovem Ahmed, no entanto, parecem de forma consciente optar por deixar de lado tais sutilezas que até então vinham marcando sua obra, para apostar num retrato mais cru e, por isso mesmo, cruel. Ahmed é um personagem sem meio termo. A lavagem cerebral pela qual passou em contato com os representantes de sua religião o transformou em um robô, um ser não pensante, que apenas reproduz comportamentos biônicos, obtusos e ultrapassados. O fato do roteiro ser ambientado na Bélgica torna essa ação ainda mais preocupante, pois encontra ressonância nos ataques terroristas de motivações ligadas ao fanatismo como se fossem uma regra, e não uma exceção. Se é parar acreditar que todo jovem de origem islâmica, ao se envolver com demonstrações de fé e religiosidade, acabará se inclinando para a violência e ignorância, então o mundo está, de fato, perdido, e nada mais há ser feito.
Felizmente, há aqueles que discordam da visão dos diretores. Estes outros personagens não estão ausentes da narrativa, mas surgem em posições periféricas, e seus esforços nunca alcançam o resultado esperado. É como se dissessem: “ok, não dá pra desistir agora, mas até quando seguiremos tentando?”. Essa é justamente a questão que O Jovem Ahmed deveria, ao menos, tentar responder: até sempre. O importante é exatamente isso, pois quando um lado desiste, é o seu oponente que ganha. O protagonista só percebe o ‘errado’ quando foge de sua visão já pré-estabelecida, mas é incapaz de refletir a respeito de todas as agressões que lhes são oferecidas diariamente como se uma ração a ser consumida sem recusas. Quando acaba em um centro de correção juvenil, se torna ainda mais vil, pois passa a fingir uma recuperação, visando apenas enganar aos demais para seguir com seus objetivos distorcidos. E no momento em que o preço a ser pago por agir desse modo parece ser alto demais, não será apenas ele o penalizado.
O mais perturbador disso tudo é a entrega desse olhar de desespero e desilusão. Ahmed é uma figura perdida já em sua primeira aparição, e nada que fará a seguir apontará para qualquer redenção. É isso, portanto, que está sendo pregado? Que todos são iguais, e uma vez contaminados por uma doutrinação equivocada e manipuladora, nada mais há de ser feito? Indo além, haveriam, então, religiões boas e outras ruins, ou estariam todas em um mesmo balaio, como parte de uma distorção da qual a humanidade ainda sofre e da qual não consegue se desligar? São dúvidas pertinentes, mas cujas respostas se tornariam mais sólidas se construídas ao lado do espectador, e não expostas como algo pronto e acabado. O extremo, tanto para um lado quanto para o outro, só favorece o obtuso, o ignorante e o mal-intencionado. E não é esse o serviço que um cinema comprometido em abrir horizontes deve promover.
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