float(4) float(1) float(4)

Crítica


6

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Preso ao passado, Jean é um ator em meio à suspensão por tempo indeterminado das filmagens de sua nova produção. Ele aproveita o tempo livre para visitar um velho amigo e acaba encontrando uma turma de jovens disposta a fazer um filme de terror.

Crítica

Ao lado de Jean-Paul Belmondo, Anouk Aimée e Jeanne Moreau, para citar três de tantos astros e estrelas, Jean-Pierre Léaud se tornou uma espécie de personificação do cinema francês pós-Segunda Guerra Mundial. Isso se deu principalmente por conta da atuação marcante nos filmes da saga Antoine Doinel, de François Truffaut. E essa aura de personalidade mítica gerou convites para interpretar posteriormente várias figuras da Sétima Arte, tais como o protagonista masculino da produção dentro de A Noite Americana (1973) e o cineasta decadente de O Pornógrafo (2001). Em O Leão Dorme Esta Noite, esse verdadeiro símbolo novamente é utilizado para salientar a representação, a capacidade de sublimar a dor por meio da arte (amparo lírico da memória), entre outras inúmeras potencialidades dos filmes. Jean (Léaud) é um ator em vias de retomar uma dinâmica que o tornou conhecido nos circuitos alternativos. Diante da impossibilidade de sua parceria – ela está sofrendo de amor, algo que deve fazer o cinema esperar –, é dispensado por algumas semanas dos trabalhos e decide perambular por cenários do passado em busca de reencontro, talvez do tempo perdido.

O cenário idílico dos verdes anos virou um casarão assombrado, caindo aos pedaços, propício à imaginação das crianças das redondezas. O condutor de Jean pelas lembranças é o fantasma da antiga amada, Juliette (Pauline Etienne), aquela a quem a morte conservou a juventude – ênfase na capacidade de eternizar, também própria ao cinema. O diretor Nobuhiro Suwa distribui bem os elementos e os conecta claramente, mas abrevia circunstâncias e ressonâncias. O resultado é uma fragmentação excessiva, provocada pelas lacunas. Há evidentemente um elo entre o diálogo do protagonista com o espírito desencarnado e a disposição quase pueril para se tornar peça importante do filme amador dos pequenos. Em alguns momentos, O Leão Dorme Esta Noite permanece observando esse homem que caminha com as dificuldades impostas pela idade, capaz de tomar atitudes repentinas e se apresentar aos novos vizinhos como um enigma instigante e desafiador. Noutras, desloca a atenção à dor de um menino com dificuldades para processar a ausência do pai. Pena que a associação careça de densidade e textura. A falta de um percurso consistente e do foco definido atrapalha.

Como não poderia deixar de ser, tendo em vista a presença de Jean-Pierre Léaud, sobretudo nos bastidores da arte que o consagrou, O Leão Dorme Esta Noite tem seus instantes de bonita homenagem à Sétima Arte. Ainda que não sublinhe de modo determinante o encantamento de Jean com a nova geração, Nobuhiro Suwa consegue situar a predisposição do veterano como um tributo ao cinema feito basicamente por amor. E o que corrobora isso é a completa ignorância dos garotos e garotas quanto à identidade do senhor que eles chamam inicialmente de vovô. Seria simples mostrar a devoção a um ícone, a comum e quase óbvia vontade de contar com alguém reconhecido amplamente. A beleza está justamente no desconhecimento, na pureza não condicionada pelo artifício da celebridade. Porém, é perceptível que o realizador tenta frequentemente sabotar qualquer indício de consolidação de mensagens fáceis, assim como de associações imediatas. Ele persegue um resultado cheio de engrenagens subliminares. E esse esforço constante acaba enfraquecendo ambas as camadas, a superficial (facilmente reconhecível) e a disponível imediatamente abaixo das evidências claras.

Um ponto curioso, e que merece atenção pela importância simbólica, é a relação de Jean com a morte. Depois do discurso sobre ela não ser passagem, mas uma possibilidade efetiva de encontro, o personagem de Jean-Pierre Léaud não se espanta pelas visitas fantasmagóricas, aceitando-as como naturais. A ele é inegociável tanto a representação correta do fim sem alardes/sensacionalismo quanto a aceitação da presença que poderia gerar medo ou espanto. Pena que Nobuhiro Suwa não invista na profundidade dessas sinalizações essenciais. O diálogo peculiar de Jean com Juliette respinga pouco no curta-metragem das crianças – ainda que a trama deste diga respeito rigorosamente às conversas do homem com um fantasma do passado –, e a paixão contagiante da gurizada pelo cinema é insuficientemente ressaltada como combustível ao ator. Tudo permanece um tanto morno em O Leão Dorme Esta Noite. Jean é impedido de continuar um filme por conta da desilusão da colega. Adiante, protagoniza outro, reconectando-se com fundamentos que mereciam ser mais bem enfatizados. Apesar disso, há sequências bonitas e suficientes da poética feita de amor, morte e cinema.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *