Crítica

Chega a ser impressionante o efeito que O Leitor conseguiu provocar entre os votantes do maior prêmio do cinema mundial. Chegando de mansinho, sem chamar muita atenção, recebendo avaliações medianas e com um desempenho pífio nas bilheterias, conseguiu somar cinco indicações ao Oscar – inclusive para Melhor Filme! Mesmo sem ter recebido um único reconhecimento importante – com exceção aos dedicados à atriz Kate Winslet, em desempenho arrebatador – nas premiações da Indústria ou da Crítica, conseguiu se firmar como um concorrente de respeito. E isso se deve a dois fatores: o primeiro, como já foi dito, sua atriz principal. E o segundo, claro, é o respeito obtido pelo cineasta Stephen Daldry, o mesmo de As Horas (2002) e Billy Elliot (2000) – o único diretor de todos os tempos indicado ao Oscar por TODOS os filmes que já dirigiu (ou seja, estes três citados)!

O título do filme já oferece uma pista sobre o grande “mistério” da trama. Michael Berg (vivido pelo novato ator alemão David Kross na adolescência e pelo inglês Ralph Fiennes quando adulto) é um jovem que, logo após a Segunda Guerra Mundial, se apaixona por uma mulher com o dobro da sua idade. O romance é mantido em segredo, mas provoca um efeito devastador no garoto. Os dois passam diariamente horas no apartamento dela, mas não apenas em relações sexuais – ele, atendendo a um pedido, traz a cada encontro um novo livro, que lê em voz alta para o deleite da amante. Porém, quando descobre a casa vazia sem o menor sinal de para onde ela pode ter ido, o rapaz fica desorientado. Um vazio que permanecerá nele durante anos, até o dia em que, já estudante de Direito, vai acompanhar o julgamento de colaboradoras do Regime Nazista e se depara, no banco dos réus, com a mesma mulher que lhe ensinou o que era amor. Naquele momento descobre que ela não só fora responsável pela morte de dezenas de prisioneiros judeus como também com outros segredos ainda mais torturantes.

Apesar desta não ser a história da personagem de Kate Winslet – e, sim, a do menino que virou homem ao lado dela – ela é a verdadeira força por trás do enredo. Por isso é tão surpreendente vê-la recebendo prêmios importantes, como o Globo de Ouro e o SAG (oferecido pelo Sindicato dos Atores de Hollywood), de “Melhor Atriz Coadjuvante”. O mais certo, obviamente, é tratá-la como protagonista – ela possui a performance feminina mais importante de toda a produção, indiscutivelmente – e por isso que a conquista do Bafta e a indicação ao Oscar na categoria principal é mais do que justa. Como uma verdadeira alemã, compõe um personagem com uma força incrível, mas cuja intensidade só é desvelada pelos olhares e numa ou outra atitude mais enérgica. Contida e com um desempenho subliminar e discreto, oferece ao público um registro bastante diferente daqueles que se acostumou a exercer em sua carreira – como o também excelente, porém bastante diverso, visto no elogiado Foi Apenas Um Sonho.

Winslet foi a primeira opção de Daldry para este papel, mas quando veio o convite não pode aceitar. Ele, depois de consultar atrizes como Nicole Kidman e Juliette Binoche, acabou tendo um atraso nas filmagens, abrindo espaço para Kate. Uma feliz coincidência de datas. Outro que está muito bem em cena é Fiennes, que, ao lado dos recentes A Duquesa e Na Mira do Chefe, revela um mosaico de personalidades bastante distintas e interessantes. Um ano cheio! Mas O Leitor não é só elenco, e a mão precisa do diretor também merece ser observada. Ele sabe o momento certo de revelar e de esconder, de manter a curiosidade oferecendo aos poucos os elementos necessários para uma melhor compreensão, porém sem entregar tudo facilmente. Ao tratar tanto seus personagens quanto os próprios espectadores como respeito e simpatia, constrói um filme elegante e envolvente, comovendo como poucos.

O Leitor concorre ao Oscar ainda nas categorias de Roteiro Adaptado (é baseado no livro de Bernhard Schlink e escrito por David Hare, o mesmo roteirista do superior As Horas) e Fotografia (de Roger Deakins, indicado já 8 vezes ao Oscar, inclusive por produções como Onde os Fracos Não Tem Vez e Um Sonho de Liberdade). Mesmo assim, arrecadou pouco mais do que US$ 15 milhões nos Estados Unidos e, segundo o site Rotten Tomatoes, que compila as principais críticas cinematográficas, teve cotação de 59%, ou seja, abaixo da média. Estes resultados controversos talvez se devam justamente pelo filme não facilitar as coisas. O que está ali é justamente para ser mostrado, e o que permanece na sugestão tem um motivo para tal. E se nem todos consegue perceber isso, o máximo que pode ser feito é lamentar.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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