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Sinopse

Situado numa cidade repleta de gatos, Hank, um cão de caça sem muita sorte, precisa assumir o papel de herói para defender os cidadãos de um plano maligno. O azarão deve tomar uma postura samurai para garantir a vitória.

Crítica

O forasteiro visto com repulsa ao chegar mas que, aos poucos, irá ganhando a confiança de todos a ponto de se tornar responsável pela salvação do lugar diante de uma grande ameaça. Esse argumento vem sendo explorado à exaustão por Hollywood há décadas, e ganha aqui mais um exemplar. A diferença é que, se na grande maioria dessas reencarnações havia um esforço perceptível para disfarçar essas origens dotando cada nova versão de características e particularidades únicas até conseguir ser percebida como dona de uma identidade própria, em O Lendário Cão Guerreiro tal esforço não se fez presente. Aliás, a repetição é tamanha que só com muita alienação – ou falta de vontade – o público não irá reconhecer as semelhanças com outra série animada de sucesso. Sim, pois o que se tem aqui é outra uma releitura da saga Kung Fu Panda, por mais que se diga que, se lá havia um mestre em kung fu, o daqui é um samurai – no final, para o espectador leigo, está tudo na mesma família das ‘artes marciais’. E se não houve ânimo nem para disfarçar o óbvio, o certo é que o resto seguirá a mesma linha ladeira abaixo, com um ou outro momento digno de nota mais pela simpatia de alguns personagens ou por certos desfechos individuais do que pelo conjunto em si, tão aleatório e genérico quanto as menos entusiasmadas expectativas poderiam prever.

O curioso, no entanto, é que nos bastidores estão dois nomes de absoluto respeito. Primeiro, importante destacar a direção de Rob Minkoff, que é responsável por um dos maiores sucessos do gênero de todos os tempos: O Rei Leão (1994). Já o outro é o do veterano Mel Brooks, que não apenas empresta sua voz ao personagem Mestre Shogun, como também foi um dos roteiristas e produtores. Só que, com inacreditáveis 96 anos, por mais que permaneça na ativa – algo digno de nota e entusiasmo – há muito se distanciou da boa forma exibida ao ganhar o Oscar por Primavera para Hitler (1967) ou ao conduzir fenômenos populares como Banzé no Oeste (1974) ou O Jovem Frankenstein (1974). Minkoff, por sua vez, também nunca mais sequer chegou perto do acerto que teve em sua estreia, entregando desde o inusitado O Pequeno Stuart Little (1999) até desastres como Assalto em Dose Dupla (2011). Há oito anos sem dirigir – seu último projeto havia sido o razoavelmente simpático As Aventuras de Peabody & Sherman (2014), ao retomar as atividades precisou contar com o apoio de não apenas um, mas de dois co-diretores: Chris Bailey, que foi indicado ao Oscar pelo curta Runaway Brain (1995) há quase trinta anos – e, mesmo assim, assina agora seu primeiro longa – e Mark Koetsier (outro estreante na função, mas que esteve nas equipes de sucessos como... Kung Fu Panda, 2008).

Patas da Fúria, em tradução direta, conta a história de Hank, um cachorro perdido numa terra de gatos. É a figura errada na hora... certa? Ou mais equivocada ainda? Difícil saber. Pois o time de roteiristas – que, além de Brooks, contou com outros 6 escritores! – entregou um tipo pouco memorável, inconstante em suas reações, ingênuo a ponto de parecer tolo e do qual pouco se entende a partir das alegadas motivações que enumera para que nesse ambiente que lhe é tão inóspito se faça presente. Afinal, não se trata apenas de um lugar habitado somente por bichanos por um acaso do destino. Eles também odeiam os cães, os desprezam e fazem de tudo para deles se livrar com a maior agilidade possível. Tanto que, quando Hank chega, é para a prisão que o mandam. Isso, porém, até ser libertado como parte de um plano maior: acaba enviado a um vilarejo prestes a ser destruído com a ordem de protegê-lo. Quem o manda até lá, o governante da região, antecipa o fracasso do suposto protetor, e com ele conta, pois quer que o referido lugar desapareça de sua visão. O que o leva a uma medida tão drástica, porém, ninguém sabe.

Aliás, são muitas as incongruências percebidas na trama. É como um quebra-cabeças cujas peças estão incompletas, como se cada um dos tantos envolvidos tivesse ficado responsável por uma parte, porém sem ter conhecimento do todo. O que levou Hank a ir até um destino que sabia onde não seria aceito? Por quê o líder deseja eliminar do mapa uma cidade que faz parte do seu domínio e onde ninguém a ele se opõe? O tutor esquecido, que ensina ao protagonista tudo que precisa saber para ser bem-sucedido em sua missão, como consegue fazer isso mesmo estando muito acima do seu peso? E o que o levou a um banimento voluntário, ainda mais quando se descobre que a culpa que carrega não só é desprovida de fundamento, como também facilmente resolvida com meia dúzia de palavras? Qual a razão de duas personagens femininas terem destaque na divulgação, quando absolutamente nenhuma tem a menor relevância na história (e uma, ainda, ganhou a voz de Deborah Secco no Brasil, que tem apenas duas ou três frases a dizer)? E, por fim, e mais surreal de tudo, qual o sentido do grande vilão estar construindo uma privada gigante (e nos moldes humanos, sendo que nesse universo esses inexistem? Gatos não fazem suas necessidades em... caixas de areia?) e dourada?

Enfim, a previsibilidade dita a maioria das ações em cena. Aos espectadores brasileiros, resta o aviso de não esperar muito, como já dito, de Secco, mas também não de Ary Fontoura, que no personagem que em inglês é de Brooks, aparece apenas no início e no fim dos eventos, sem muito a acrescentar. Resta, porém, a performance vocal de Paulo Vieira, um artista em ascensão que aproveita bem o espaço que lhe é dado, imprimindo personalidade a um tipo que, originalmente, foi concebido por Michael Cera (um ator água – insípido, inodoro e incolor, de tão qualquer coisa). E se o desastre não é completo, a situação se reverte apenas junto à uma audiência bastante infantil e menos exigente, em busca apenas de diversão passageira e irrelevante. O certo é que, em O Lendário Cão Guerreiro, tem-se um filme que de guerras apresenta poucas, de cão há apenas um e de lendário nada oferece.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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