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Crítica


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Sinopse

O filme fala sobre o poder redentor do perdão. Para isso, mistura ficção (no estilo do Velho Oeste) e documentário.

Crítica

É uma convenção do faroeste o ajuste de contas acontecendo num duelo de proporções dramáticas, do qual apenas um dos cowboys sai vivo. Também é bastante comum ao gênero o circulo vicioso de violências mediando relações entre famílias rivais gradativamente dizimadas por vinganças aparentemente intermináveis. O diretor Juan Manuel Cotelo interpreta em O Maior Presente justamente um cineasta em meio ao processo de divulgação de seu mais novo western. Após uma sessão especial, ele explica à plateia de jornalistas o fim incomum que criou para sua obra. Portanto, para efeitos de simplificação, quase tudo o que vemos se dá num longo flashback com diversas camadas sobrepostas, fruto direto das respostas na coletiva de imprensa. Posto isso, há o nível da filmagem acontecendo, estranhamente demarcado por um humor frágil, deslocado, beirando o caricatural. Tal traço suscita tiradas supostamente espertas, mas que não funcionam, sequer, para aliviar o tom da dramaticidade prevalente nas histórias que o personagem colhe adiante.

O Maior Presente é, assim, um docudrama debruçado sobre o perdão, especialmente a partir de uma lógica cristã. O protagonista/diretor deixa sua equipe refletindo acerca do melhor “final feliz” alternativo enquanto se depara com exemplos factuais que podem lhe prover ensinamentos valiosos. Diante do sujeito que abandonou totalmente os dias de brutalidade como comandante de gangues, entende a necessidade de abrandar demônios pessoais em prol da relação menos conturbada com o meio. De modo parecido, o que prontamente deflagra o esquematismo, em contato com a espanhola que decidiu viver positivamente após ter as pernas amputadas por conta de um ataque terrorista, ele percebe a importância de relevar os infortúnios a fim de não cultivar o ódio que pode escravizar. Essas constatações são debatidas diretamente, como se nos fosse apresentado um manual de felicidade orientado pela negação completa daquilo que ofende, inclusive em níveis profundos, para obter o júbilo. Nesse processo modorrento e repetitivo, até mesmo a validade da mensagem acaba perdendo força.

Nas primeiras incursões do protagonista pela estrita realidade, encarada por ele curiosa e concomitantemente enquanto figura fictícia e factual, o viés religioso, embora mal disfarçado, não se apresenta tanto como algo abertamente norteador. Ainda que as pessoas mencionem suas vitórias pessoais como, inclusive, fruto do apego com Deus, o filme não chega a defender desbragadamente a tese da alegria como um estado diretamente associado à crença. Todavia, isso muda da metade em diante, com cada vez mais gente colocando a fé na condição de propulsora vital às mudanças necessárias ao alcance de um cotidiano mais harmônico. Em muitos momentos O Maior Presente parece uma peça de publicidade que utiliza exemplos supostamente irrefutáveis como artifício de mero convencimento. As recorrentes voltas do sujeito, andante pelo mundo em busca de respostas, ao cenário do Velho Oeste serve tão e somente para antecipar a abordagem dos próximos “capítulos”, não importando se o recurso faz sentido ou se é construído banalmente, vide a briga matrimonial.

O segmento mais reprovável de O Maior Presente é aquele focado na celebração do perdão conjugal. A história de um casal que, depois de cinco anos de separação, volta a conviver e a reconstituir a família aparentemente feliz passa pela “magnanimidade” do homem e por uma nada sutil vilanização da mulher outrora decidida a assumir as rédeas de sua vida. Abertamente, ele é entendido como um modelo de obstinação e bondade por ter minimizado a relação extramarital da esposa e o fato dela ter evadido ao mundo em busca de uma realização em nada associada ao seu papel de dona de casa. Ela, por sua vez, discorre sobre a gratidão pelo homem que a aceitou de volta com os braços abertos e nunca lhe questionou sobre motivações e afins. O filme, assim, ainda que discurse na esfera ficcional sobre a urgência de romper com velhos clichês – como a morte no embate na cidadezinha poeirenta –, no seu âmbito documental se constrói totalmente sobre simplificações e lugares-comuns, então sendo, além de um tanto desconjuntado, em virtude da pouca habilidade diretiva, profunda e essencialmente contraditório. Isso, principalmente, pela devoção à causa colocada acima de qualquer coisa.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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