Crítica
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Sinopse
Cabeleira é um temido matador do estado de Pernambuco. Num sertão isolado da civilização, entre 1910 e 1940, ele é criado por um cangaceiro local chamado Sete Orelhas, que o encontrou quando bebê. Agora adulto, finalmente vai à cidade para procurar o desaparecido Sete Orelhas. Nesta jornada, acaba encontrando numa cidade sem lei, governada pelo tirânico Monsieur Blanchard. O francês domina o mercado de pedras preciosas e anteriormente empregava Sete Orelhas como seu matador.
Crítica
Mesmo com pouco mais de 40 anos, o diretor e roteirista Marcelo Galvão já pode se considerar um veterano do Festival de Gramado. Afinal, com a comédia aventuresca Colegas (2012) ele conseguiu o feito de levar para casa três kikitos, inclusive o de Melhor Filme, superando o favorito O Som ao Redor (2012). Já seu trabalho seguinte, o drama A Despedida (2014), voltou à Serra Gaúcha para angariar mais quatro troféus, entre eles o de Melhor Direção. Mais três anos se passaram o cineasta foi mais uma vez selecionado para a mostra competitiva de longas brasileiros, agora com o neo-western O Matador – primeira produção original da Netflix no Brasil. E ainda que venha embalado por ares de inovação e originalidade, qualquer um que ousar – e tiver paciência para – ir além destas leituras mais óbvias deverá se deparar com uma obra problemática que dificilmente irá repetir a mesma performance dos seus longas anteriores, seja junto ao público como, principalmente, entre a crítica.
Se fosse um objeto, esse O Matador seria uma daquelas bonecas russas, que ao abri-la você encontra uma menor dentro, e assim sucessivamente. Pois o roteiro é elaborado a partir dessa premissa, da história dentro da história dentro da história. Dois garotos encontram homens sozinhos no meio da mata. Quando o pai deles chega, os bandidos, desconfiados, exigem que ele explique o que fazem por ali. “Sou melhor contando causos”, afirma, para logo em seguida, através de sua oratória, dar início a uma outra linha narrativa. Só que essa também possui seus desenlaces e enredos paralelos. Chega a tal ponto que o espectador irá se perguntar: mas onde estamos mesmo? Agora, pior, mesmo, é quando os próprios personagens se dão conta do sumiço de outros. E ao invés de encarar isso como uma questão a ser resolvida, Galvão prefere tratar como uma piada deslocada.
Estamos no sertão de Pernambuco, um lugar de tanta fome que se tornou comum famílias abandonarem bebês para atraírem animais selvagens, que ao se alimentarem das crianças, virariam presas fáceis para que os adultos não morram de inanição. Só que um destes órfãos é resgatado por Sete Orelhas, um dos matadores mais selvagens da região, que o cria como uma fera, ensinando ao pequeno apenas o que sabe: a arte de matar. O menino cresce e vira Cabeleira, que com o sumiço do seu protetor acaba assumindo o seu posto como principal responsável pelas mortes encomendadas pelo rico Monsieur Blanchard, o Francês. Este é o todo poderoso, que mata e manda matar a torto e a direito, sem dar explicações a ninguém.
Aí teríamos uma possibilidade interessante, principalmente se fosse melhor explorado o momento em que Cabeleira descobre que foi o próprio Francês que eliminou Sete Orelhas. Ao invés disso, investe-se em outros personagens não muito interessantes, como o alcaguete da delegacia de nome igualmente pitoresco – Quatro Olhos – ou o filho gay e sádico do chefão. E se isso não for suficiente, há ainda o Tenente Sobral, mais um que chega à pequena vila em busca de vingança, ou o cangaceiro Corisco, um dos últimos remanescentes do bando de Lampião, que tomou para si a herança de seguir impondo medo nestas comunidades abandonadas pela lei e pela ordem. Mas há outros deslizes, como a trilha sonora que serve apenas para ditar as emoções já exploradas pelos acontecimentos, ou pior, a narração em off redundante e desnecessária. Como se percebe, atira-se para todos os lados. Pena que são poucos os alvos a serem acertados.
Com um elenco impressionante – os créditos de abertura são bem elaborados, porém repetitivos – o longa parece chegar ao final por falta de atores, uma vez que quase todo mundo em cena é morto por um motivo mais banal do que o outro. Lá pelas tantas, não importa mais quem bateu as botas. Na busca por algum tipo de reação da audiência, o realizador passa, então, a investir na violência gráfica, com cabeças decepadas, línguas arrancadas e olhos explodidos – além de efeitos visuais deslocados e pouco convincentes – como se esse tipo de excesso por si só fosse justificativa. Pra completar, Galvão perde o seu maior trunfo. Afinal, o que tanto Colegas quanto A Despedida tinham de melhor era o desempenho dos seus protagonistas, sejam os carismáticos garotos com síndrome de Down do primeiro ou os dois excelentes astros em estado de graça do segundo. Em O Matador, só temos grunhidos, caretas e figuras arquetípicas que servem apenas para deixar o cenário mais colorido, mas o todo menos interessante. Em algum lugar neste projeto talvez tenha existido um bom filme. Pena que se perdeu miseravelmente no caminho até sua realização.
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