Crítica
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Sinopse
O Melhor Amigo se passa na praia de Canoa Quebrada, quando Lucas e Felipe se reencontram, fazendo acender antigos desejos. Enquanto Lucas se joga neste paraíso solar e musical, em busca de uma paixão ardente e incerta, Felipe, com sua presença sempre tão misteriosa, parece escorregar por entre os dedos. Exibido no 32º Festival MixBrasil.
Crítica
Após a consagração com Pacarrete (2019), vencedor de oito Grande Otelo (concedidos pela Academia Brasileira de Cinema), sete prêmios Guarani e passagens por festivais de prestígio no Brasil e no exterior, o diretor cearense Allan Deberton deve ter se perguntado qual passo dar a seguir. Afinal, quando a expectativa está em alta, a probabilidade de tombo se torna ainda maior. Portanto, que tal dar uma guinada e ir num sentido oposto, não aumentando a aposta, mas num inteligente retorno às origens, em uma produção mais modesta, divertida e, ainda assim, envolvente? Pois o resultado desse movimento é O Melhor Amigo, uma descontraída ‘sessão da tarde’ LGBT+ que, mesmo sem deixar de lado um discurso inclusivo e ativista, o faz sem pressão ou alarde, optando pelo curso de um romance de formação para se fazer ouvir – e notar.
Os que estão chegando agora ao cinema de Deberton, um dos realizadores mais sensíveis e criativos do atual cenário cinematográfico brasileiro, podem estranhar tal percepção. Mas a explicação é simples. O Melhor Amigo é também o nome do segundo curta-metragem do realizador, feito há mais de uma década – foi premiado no Cine Ceará de 2013 – e, entre tantos aspectos, com o tempo acabou se destacando dos demais trabalhos do cineasta não apenas pela temática da diversidade sexual (que lhe abriu espaço para eventos do gênero nacionais e internacionais), mas por contar com um jovem até então desconhecido (na época) como protagonista: Jesuíta Barbosa. Ele era Lucas, que se reencontrava com um amigo de infância, Felipe (Victor Sousa), e juntos os dois passavam um dia na praia, permitindo que sentimentos até então adormecidos despertassem entre eles.
Essa espinha dorsal permanece a mesma na versão longa de O Melhor Amigo. Porém, há mudanças em cena. Para começar, a troca dos intérpretes, que foram substituídos por Vinícius Teixeira e Gabriel Fuentes. A mudança é positiva, primeiro porque evita qualquer tipo de distração relacionada ao agora astro de novelas como Pantanal (2022) e filmes premiados, como Tatuagem (2013). Depois, tem-se a inegável química que rapidamente se estabelece entre os novos intérpretes. Teixeira entrega um Lucas tímido, deslocado, mas que não esqueceu de quem um dia foi – e do que já conquistou. Fuentes, por sua vez, exala sexualidade na composição de um Felipe que é tanto anjo, quanto endiabrado. Ele tanto pode ser sedutor a ponto de ninguém duvidar das suas mais cândidas intenções, como no instante seguinte desaparecer e refugiar-se em si mesmo, aumentando a complexidade do personagem. Essa dinâmica é fundamental para um melhor entendimento da relação dos dois.
Após anos afastados, Lucas decide ir em busca do amigo em um momento de confusão amorosa. Ele está em crise com o atual namorado, Martin (Leo Bahia, que já havia roubado a cena em Depois do Universo, 2022), e precisa decidir o que quer para si. Felipe trabalha como guia turístico, entre dunas e passeios cobiçados por visitantes do mundo todo. Ele também se surpreende – da melhor maneira possível – com o retorno de Lucas. Mas tem seus próprios fantasmas com os quais lidar. Não se trata de um abrir os braços em uma corrida de um rumo ao outro na beira do mar, cena tão idílica que virou clichê dos mais românticos. O que eles precisam, de fato, é reencontrarem a si mesmos. E tanto podem se ajudar nesse processo, como também deixar a situação – individual ou da dupla – ainda mais problemática. A escolha de cada passo, entre aproximações e afastamentos, é que irá determinar o desenrolar desse jogo.
Abrindo espaço para uma representatividade rara num cinema que visa um diálogo amplo e comercial, o filme combina essa responsabilidade com um olhar colorido e efervescente, que em momento algum esquece das suas agruras, ao mesmo tempo em que se mostra disposto a dar a risada final diante dos tropeços que mais ensinam do que desmotivam. Se a estrutura não chega a ser revolucionária, a busca por originalidade se dá por outros meios. Como, por exemplo, a inserção de números musicais usados para pontuar principalmente o estado de espírito dos garotos. As coreografias ensaiadas, o elenco em sintonia e uso parcimonioso deste recurso oferecem uma energia contagiante ao conjunto. Entre canções conhecidas, como “Amante Profissional” e “Doce Mel”, até hinos do cancioneiro popular de algumas gerações atrás interpretados pelas vozes que as consagraram (a participação de Gretchen é tão deliciosa quanto certeira), O Melhor Amigo conquista pelo imenso afeto que Deberton demonstra por seus personagens, pelos laços que os unem e separam e, acima de tudo, pela certeza de que suas criações são capazes de encontrar a felicidade e o amor a despeito de qualquer frustração momentânea.
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