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Sinopse
Em O Melhor do Mundo, quando um pai e seu filho descobrem que podem não ter laços biológicos, a revelação abala a relação entre eles. Para encontrar respostas, os dois partem juntos em uma jornada inesperada pelas estradas do México. No caminho, enfrentam verdades e desafios. Comédia/Drama.
Crítica
O cinema realmente pode ser qualquer coisa. Entretenimento, experiência transformadora, uma catarse por meio da contemplação estética. Enfim, são incontáveis as possibilidades a serem vivenciadas diante de uma tela, assistindo a um filme. No entanto, na atualidade em que os streamings estão conquistando o protagonismo nesse cenário mais que centenário, produtores e cineastas mundo afora parecem inclinados como nunca a reutilizar fórmulas pré-estabelecidas. A intenção principal é figurar nos famigerados Tops 10 das gigantes que pleiteiam dominar de modo avassalador o mercado audiovisual. O que veio primeiro, o ovo ou a galinha? Quer dizer, os criadores estão se moldando ao interesse global dos novos players ou são as práticas dessas empresas superpoderosas que quase obrigam os filmes a serem inofensivos e agradáveis para todo tipo de público? Ao contrário do que muitos teóricos pregaram, os streamings não estão diversificando as produções para atender diversos nichos, pelo contrário, pois têm trabalhado para tornar mais homogêneas e necessariamente confortáveis as experiências do espectador. Esse preâmbulo para dizer que o novo sucesso da Netflix, O Melhor do Mundo, parece um “copia e cola” sem personalidade de diversas produções anteriores que falaram de dilemas familiares, mais especialmente de paternidades mal exercidas por homens que priorizam os seus trabalhos.
O protagonista é Gallo (Michel Brown), o tipo workaholic que o cinema consolidou no nosso imaginário ao longo dos anos. Ele é desatento em qualquer conversa que não seja de trabalho, negligente com o filho pequeno, Benito (Martino Leonardi), e sobrecarrega impunemente a sua ex-esposa, Alicia (Fernanda Castillo). Fica claro desde os primeiros momentos que o roteiro assinado por Tato Alexander está criando uma jornada de redenção, mais preocupado em tornar crível a gradativa vinculação afetiva entre pai e filho do que necessariamente elaborar de modo um pouco menos moralista os elementos dessa relação quebradiça. De uma hora para outra, Gallo se vê obrigado a assumir de verdade a paternidade por conta da fatalidade inesperada. Mas ele ainda assim não o faz, delegando à ex-sogra a guarda do menino. É impressionante como a câmera não demonstra qualquer vontade de interrogar os sentimentos desse personagem, se mantendo praticamente como uma testemunha impassiva das suas atitudes mais insensíveis. Parece ser parte de uma estratégia, a de não forçar muito a barra diante da humanidade falha de Gallo por receio de que a plateia se desconecte dele. Desse modo, o cinema se torna um espaço condescendente no qual somente podem ser protagonistas os personagens capazes de alcançar a bondade, os dispostos a se arrepender de seus pecados e serem pessoas melhores.
O gosto de comida requentada e sem sal de O Melhor do Mundo não é explicado apenas pelo fato de ele ser um remake do argentino Vamos Consertar o Mundo (2022). Essa sensação gritante de “já vi esse filme antes” também diz respeito aos preceitos do original, uma obra que também apostava nessa dinâmica desgastada em torno do homem frio que precisa descobrir como acessar seus sentimentos e assim encontrar o essencial da vida. Gallo não é um protagonista necessariamente interessante, inclusive porque é interpretado Michel Brown quase como um autômato seguindo exatamente...um roteiro. O ator se perde consideravelmente nas fronteiras entre introspecção e a apatia, não convencendo como o ferrenho executivo de televisão e tampouco como o homem durão que não se permite sentir qualquer coisa. Sua interação com Benito não é menos burocrática, a julgar pela falta de entrosamento entre os atores adulto e mirim, um descompasso que pode (e deve) também ser creditado em parte à direção. Quando ambos estão em cena interagindo, fica difícil “comprar” a ideia de que seus personagens tiveram alguma intimidade e estão, cada um à sua maneira, tentando se conectar depois da tragédia. E a própria procura pelo pai biológico do menino é cansativa e pouco estimulante, assim como não vai muito para frente o dilema do sujeito que pode se livrar da responsabilidade que ele recusa.
O Melhor do Mundo é aquele tipo de produção que foge das controvérsias e das complexidades morais/psicológicas/emocionais como o diabo escapa da cruz. Isso tem a ver um pouco (ou muito) com esses nossos tempos sombrios em que o cinema está sendo tratado como um parque de diversões no qual o pagante do ingresso quer ter a capacidade de controlar todas as emoções resultantes do passeio. Testemunhando a jornada em busca do pai biologicamente compatível com o menino, dificilmente sentiremos mais do que um carinho moderado por esses meninos vagando até perceberem que seus objetivos estavam ao lado durante todo esse tempo. Gallo é uma figura cheia de rachaduras, mas percebido desde o começo como um sujeito errático que apenas precisa perceber a verdade por conta própria. Desse modo, o roteiro tem um viés moralista, pois aponta rotas inconfundíveis à felicidade, como se fosse possível determinar que Gallo e Benício serão plenos unicamente se forem por determinado caminho. Como exemplar individual, é mais um filme abusando de fórmulas estabelecidas, testadas a aprovadas, que toma estritamente os itinerários mais seguros para não frustrar ou desagradar ninguém. Como parte de um todo, é outro sinal preocupante do crescimento desse tipo de longa-metragem que trata o espectador como incapaz de encarar controvérsias e com elas se comunicar. Haverá quem diga “mas é fofinho e bonito”. É, estamos penhorando muito por um pouco de quentinho no coração.
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