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Sinopse

Após um enorme mal-entendido, dois amigos de infância se convencem de que o outro tem apenas alguns meses de vida. Ao mesmo tempo, decidem que devem deixar tudo de lado para compensar o tempo perdido. O problema é que um deles é solar e energético; já o outro, apático e preso em suas neuroses.

Crítica

Homens brancos e héteros de uma alta classe social sentindo pena de si mesmos. Se você acha essa ideia interessante, talvez O Melhor Está Por Vir seja um filme com o qual conseguirá se conectar. Caso contrário, é melhor passar longe. Pois é exatamente isso o que acontece por quase duas horas no longa escrito e dirigido por Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte, a mesma dupla de Qual É O Nome do Bebê (2012). Dois melhores amigos de infância são abalados pela notícia que um deles está doente e prestes a morrer. Juntos, decidem aproveitar ao máximo o tempo que lhes resta. Mentiras, ataques de sinceridade e uma série de videoclipes para registrar a passagem dos dias, com os dois fazendo coisas bobas, como acariciar um elefante e ir dançar numa boate, marcam a maior parte da história. Além, é claro, de uma moral tola e previsível no seu encerramento, quando a mensagem “aproveite a vida” se torna tão evidente quanto ridícula.

Arthur (Fabrice Luchini) e César (Patrick Bruel) são amigos desde os tempos do colégio. Os dois, no entanto, não poderiam ser mais diferentes entre si. Se o primeiro é cordato e metódico, o segundo é bagunçado e irresponsável. A forma como os diretores se encarregam de ilustrar essas características não deixa espaços para dúvidas ou sutilezas: enquanto um tem todos os seus bens recolhidos por cobradores, o outro é do tipo de interrompe pessoas desconhecidas no trânsito para reclamar da falta de sinal em uma esquina. Quando vão juntos a um hospital, o que nunca se preocupou com nada dá um jeito de usar o plano de saúde do colega. Por isso, assim que os exames ficam prontos, é esse que ficará sabendo – afinal, foram feitos no seu nome – de um câncer que dá ao amigo apenas mais seis meses de vida. Uma notícia trágica, é fato, e que faria qualquer um questionar suas escolhas até aquele momento. Mas como agir quando tal informação diz respeito não a si, mas a uma outra pessoa?

É de se imaginar o quão inadequado deve ser colocar alguém a par desse tipo de novidade. No entanto, está se falando aqui de um pesquisador da área de saúde e professor que não vê problema algum em interpelar alunos no meio de uma aula para falar mal do diretor da faculdade. Ou seja, é um homem que pode ter tudo, menos papas na língua. Porém, diante de César, as palavras lhe somem. Ou melhor, até surgem, mas nos momentos mais inadequados possíveis, a ponto do outro não lhes dar crédito. Assim, o que está, de fato, doente, é levado a acreditar que aquele que está são é que está nas suas últimas. E por isso assume para si a missão de cuidar dele pelos próximos meses. Passam a morar juntos, e não mais se desgrudam – e, mesmo assim, a verdade continua ausente. Outros acabam se envolvendo nesse imbróglio, como a ex-esposa de Arthur ou uma mulher que já foi vítima de um tipo de câncer e agora, curada, lidera um grupo de apoio para doentes. Tudo é motivo para estender a suposta piada, mesmo que os resultados sejam tão improváveis quanto absurdos.

É possível se assistir a O Melhor Está Por Vir pelo viés da amizade masculina, um tema não raro abordado no cinema. É o típico ‘bromance’, romance entre ‘brothers’, irmãos. Porém, um olhar mais atento também irá perceber os diversos sinais não aprofundados de uma relação homossexual que nunca chega a se concretizar. Um chega a afirmar ao outro: “nós somos tão diferentes que, caso não gostasse tanto de você, conhecê-lo me mataria de tédio”. Declarações como essa pontuam toda a trama. O sonho de um é que o outro se acerte com o pai, assim como o outro está sempre trazendo insinuações sexuais para a conversa. Há ainda a passagem em que um provoca o outro para treinar consigo suas técnicas de conquista, o que acaba com um beijo roubado entre eles. Estão em um restaurante, e isso provoca desconforto entre alguns clientes homofóbicos e um garçom, que alerta que “aquele é um lugar de família”. A deixa poderia ser para um bom discurso contra discriminação e preconceito, mas acaba servindo para o malandro aproveitar e, fingindo-se indignado, sair do local sem pagar a conta. Ou seja, estão o tempo inteiro provocando, porém deixam claro um medo latente de ‘passar dos limites’, por assim dizer.

Fabrice Luchini é um dos melhores atores do cinema francês contemporâneo, daqueles que consegue sair ileso até dos piores filmes. Somente sua presença em cena já vale uma conferida. Mas aqui está ao lado de Patrick Bruel, um ator-fetiche dos diretores (estava no trabalho anterior deles), que tem pinta e pose de galã, mas pouco consegue ir além disso. É inteligente a decisão de deixar que Arthur assuma o ponto de vista dos acontecimentos, mas como na maior parte do tempo estão os dois em cena, tal desequilíbrio fica difícil de ser disfarçado. Quando o anunciado desfecho se anuncia – é óbvio que, lá pelas tantas, a confusão será desfeita – as reações serão ainda mais exageradas, apenas para provocar uma reconciliação que ninguém duvidava que acabaria acontecendo. Quando Hollywood fez esse mesmo filme, em Antes de Partir (2007), ao menos um dos protagonistas era negro. Em O Melhor Está Por Vir, nem mesmo essa diversidade encontrou espaço. Seria triste, se não fosse simplesmente redundante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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