Crítica
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Sinopse
Cineasta tentando encerrar o seu filme sobre comunistas italianos, Giovanni encara uma atriz teimosa, restrições orçamentárias, o colapso de seu casamento e a preocupação com a filha de caso com um sujeito bem mais velho.
Crítica
Nessa comédia agridoce dirigida por Nanni Moretti, as relações entre passado/presente/futuro geram os impasses existenciais. A sensível tensão entre nostalgia, atualidade e amanhã determina a maior parte dos afetos e das reflexões nessa obra que entra na categoria fascinante dos “filmes sobre filmes”. Seu protagonista é o cineasta Giovanni (Nanni Moretti), às voltas com toda sorte de dificuldades durante a criação de um longa-metragem sobre comunistas italianos nos anos 1950 – ou seja, no pós-Segunda Guerra Mundial em que a Guerra Fria (União Soviética vs Estados Unidos) estava apenas começando. Em O Melhor Está Por Vir, surgem como empecilhos: os métodos dissonantes dos atores, as complicações financeiras após a prisão de um produtor e os pequenos conflitos corriqueiros do set. Porém, o foco permanece na complexidade psicológica e emocional associada à dificuldade de repensar velhas concepções. Na trama filmada, membros do Partido Comunista Italiano recebem numa pequena cidade o circo búlgaro que traz certa ludicidade à realidade ainda machucada pelo conflito global. No entanto, a guerra declarada pela União Soviética (comunista) contra a Bulgária cria divergências entre os comunas locais: se manter fiel à ideologia, sem a questionar em absolutamente nada, ou incorporar as contradições dos ideais? Moretti faz da interseção entre cinema e vida o campo de uma batalha tragicômica.
Num tom íntimo, mas que também aspira à grandeza pela elaboração da vida intercedendo no cinema e vice-versa, O Melhor Está Por Vir relaciona a crise pessoal de Giovanni à imensa dificuldade de recalcular as rotas (afetivas, ideológicas, românticas, etc.) diante das mudanças naturais de panoramas e paradigmas. Completamente absorvido pelo processo de fazer o filme, o protagonista sequer desconfia que a esposa (e produtora de toda a vida) está se consultando com um psicanalista para encontrar forças visando o divórcio. Giovanni é muitas vezes encarado como homem temeroso de que seu tempo tenha passado, profundamente afetado pela sensação de que a temida obsolescência chegou. Contudo, isso não está impresso nas turbulências superficiais, mas visível na sua enorme incapacidade de estar aberto a novas formas de fazer e pensar. É como se o medo o tornasse ainda mais dependente das convicções petrificadas, como se ele temesse desmoronar ao ver questionados os seus ideais cinematográficos (e de vida). Moretti apresenta um homem apegado às paixões ao ponto de elas virarem âncoras que trazem uma enorme estabilidade, mas também inércia. As convicções de Giovanni criam uma atitude refratária, mas também contêm a beleza do seu idealismo romântico. Por meio do seu alterego, o realizador italiano mostra que é primordial absorver as experiências e sensibilidades alheias. Caso contrário ficaremos ilhados.
São vários os indícios do curto-circuito entre passado/presente/futuro em O Melhor Está Por Vir. O mais singelo é a teimosia dos objetos contemporâneos aparecendo inexplicavelmente no set do filme de época. Questionado pelo diretor, o produtor de arte nunca assume a culpa por esse “erro”, assim deixando margem para interpretarmos a intromissão como um desejo poético do presente de estar em cena – ainda que a história se passe num tempo longínquo e Giovanni nunca se curve à fidedignidade se ela for pouco cinematográfica. Mesmo que nem sempre consiga interligar bem essas tensões internas, Nanni Moretti conduz os conflitos pessoais a fim de dar substância à trama protagonizada por alguém que precisa ajustar as rotas em busca da possibilidade de futuro. Dentro das colocações pouco aproveitadas (ainda que indicativas) está a relação amorosa da filha de Giovanni com um senhor bem mais velho. Embora fique evidente que ela busca amor na experiência, o filme não faz muito com essa dinâmica, a deixando na paisagem da trama apenas como uma coisa pitoresca. A história ganha com a presença de Moretti em cena, sobretudo por seu modo clownesco de representar as crises do neurótico ora autoritário no trabalho, ora dono do comportamento infantil de quem se vê encurralado por algo que lhe escapa ao controle. Uma simples quebra de ritual, como ver um filme com a família, o afeta de modo considerável.
Nanni Moretti extrai da jornada de Giovanni elementos relativos ao filme dos comunistas italianos dos anos 1950 – como, por exemplo, a hesitação do partidário em priorizar o aspecto humano diante da divergência política. Numa via de mão dupla, o cineasta também faz do passado encenado, visando a projeção nas telonas, um espelho das turbulências reais de Giovanni. Voltando ao estresse entre passado/presente/futuro, há pelo menos duas sequências ótimas em que o protagonista entra em parafuso diante dos inevitáveis “novos tempos”. Na primeira, literalmente parando a filmagem da última cena do novo filme do colega mais novo para discutir profundamente a questão da representação da violência. A função do trecho não é definir certos e errados, mas mostrar a aflição do homem pela mudança do cenário de sua forma de expressão, sobretudo quando as imagens deixam de ser pensadas para provocar e passam a ser construídas para engajar o público numa lógica fetichista. Na segunda, Giovanni se reúne com representantes burocratas da Netflix que usam repetidamente como argumento o fato de exibirem suas obras para 190 países. Fica implícito: quanto maior a abrangência, mais concessões serão feitas. Nanni Moretti faz uma autocrítica agridoce que, de certa forma, elogia a resistência como ato anacrônico de amor, porém sem deixar de lado a percepção de que amar e mudar as coisas pode ser perfeitamente possível.
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