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Sinopse

Uma cidadezinha pacata se choca com os desaparecimentos e assassinatos envolvendo adolescentes da região. Todos eles teriam invocado o "Mensageiro do Última Dia", uma lenda urbana local. Quando os policiais não encontram evidências suficientes para levar a investigação adiante, James, um policial aposentado, volta à ativa para investigar o caso sozinho. Ele logo descobre que a força sobrenatural estaria conectada a uma perigosa seita secreta. Conforme avança nas descobertas, torna-se a próxima vítima do misterioso inimigo.

Crítica

O Mensageiro do Último Dia (2020) representa uma obra curiosa dentro do circuito comercial. Na longa sequência de abertura, de vinte minutos, percebe-se o “valor de produção”, ou seja, a amplitude dos cenários naturais, os recursos consideráveis à disposição, os ostensivos movimentos de câmera. Este não é um terror de baixo orçamento, do tipo que estreia semana sim, semana não nos cinemas. Pelo contrário, o projeto foi realizado pelos estúdios 20th Century Fox, e recebe lançamento da Disney. No entanto, foi filmado em 2018, engavetado em seguida e, devido à fusão entre as empresas, despejado sem muito cuidado nas salas de cinema parcialmente abertas, no ápice da segunda onda de Covid-19. O título nacional soa em descompasso com o original, The Empty Man, ou “O Homem Vazio”. Não há sequer um cartaz finalizado para o lançamento, apenas um teaser poster. Seria um exagero sugerir que distribuidores e produtores tenham tentado esconder o filme, mas tampouco se esforçam para torná-lo atraente. Não se trata de uma obra espetacularmente ruim, a ponto de marcar época (nada no nível de Cats, 2019, por exemplo), apenas uma criação mal concebida e finalizada. Caso os criadores se importassem com a viabilidade comercial, dificilmente permitiriam este corte final com inexplicáveis 137 minutos de duração.

O resultado parece ter sido abandonado como uma aposta que deu errado, não justificando portanto o investimento de refilmagens e de uma extensa campanha de marketing. Se ainda houvesse DVDs e videolocadoras, ele seria lançado direto em home video. Trata-se de uma dessas iniciativas que fazem volume: o cinema não é feito apenas de blockbusters e obras autorais. Também há espaço para testar novos autores (trata-se do primeiro longa-metragem de David Prior), investir em iniciativas modestas, que preenchem lacunas na programação e faturam alguma soma modesta a partir de um esforço igualmente modesto. Alguns produtos são criados para satisfazer o imperativo da multiplicidade, para manter as câmeras funcionando, e a indústria, em movimento. Afinal, não se faz um Vingadores (2012) a cada fim de semana. Em alguma parte do processo, talvez este terror tenha sido ambicioso. Ao final, ele se contenta em ser compreensível. Em muitos aspectos, lembra o catastrófico Boneco de Neve (2017), outro suspense policial cujos problemas de criação ficam estampados cena após cena. Nem todos os filmes podem dar certo. São as regras da indústria: alguns produtos ficam encalhados nas prateleiras.

A premissa possuía potencial de público, ao apostar nos lugares comuns mais sedutores dos gêneros em questão: para a investigação policial, a figura do homem aposentado, traumatizado pela morte da esposa ou filhos (neste caso, os dois), e que aceita retornar para um último caso; para o terror sobrenatural, a ideia de seitas satânicas de pessoas encapuzadas, reuniões secretas, rituais em fogueiras e poderes mágicos relacionados a caveiras; para o filme adolescente, a dinâmica de castas do colégio, a garota antissocial que escreve coisas estranhas no diário e alimenta superstições. Ainda existe o grupo de jovens numa viagem exótica (supostamente, o Butão), sendo perseguidos por uma entidade assustadora quando se encontram presos numa cabana deserta. Você já viu todos estes filmes antes, mas talvez não ao mesmo tempo, sobrepostos de maneira tão caótica. Os recursos de fotografia e som, incluindo efeitos sonoros e mixagem, possuem a mínima competência esperada de uma produção dotada de recursos. Nenhum deles se sobressai, para o bem ou para o mal. A construção estética se faz impessoal, incapaz de oferecer uma única cena memorável, mais forte ou mais arriscada do que as demais.

Conceitualmente, O Mensageiro do Último Dia torna-se uma bagunça. O roteiro adota o ponto de vista do herói James (James Badge Dale), porém nunca sabemos o que ele pensa sobre o caso. O homem enlutado não manifesta pesar pelas mortes ao redor. Trata-se de um investigador sem traços marcantes de personalidade que possam transparecer nas buscas. Ele se limita a um corpo em movimento, saltando de pista em pista. O texto hesita quanto ao alvo que pretende atingir: embora a imagem do fanatismo religioso empreste muitos traços à Cientologia, ela tampouco efetua uma leitura crítica, evitando opor fé e razão. Quem estas pessoas veneram, por que razão, ou com qual objetivo? Elas levam estas crenças para suas vidas cotidianas? A seita anônima efetua rituais despropositados (a dança na fogueira), e dispõe de considerável poder sobre hospitais e demais instituições – mas quem está por trás do financiamento, e de que modo se organiza esta estrutura interna? O elemento sobrenatural permeia estranhamente o contexto: o “homem vazio” aparenta ser uma metáfora para as doenças mentais, visto que se materializa apenas na mente das pessoas, consideradas oficialmente vítimas de suicídios. Ora, esta tese é abandonada em seguida. O esqueleto terá efeito nulo na narrativa, assim como das frases sussurradas no ouvido e das franquias no Butão e mundo afora.

É curioso que, ao longo de mais de duas horas de duração, não se desenvolva nenhum personagem a contento. Como torcer pelo policial apático, desprovido de motivações reais para se expor ao perigo; pela mãe da vítima, que permanece presa à casa, e tampouco possui desejos, ou então pela garota desaparecida, que vemos numa única cena antes do sumiço? O que justificaria a apatia dos policiais, a indiferença da cidadezinha assolada por sucessivas mortes, a ausência de objetivo desta força do mal e o modus operandi incoerente da seita? A sobrecarga de diálogos rocambolescos, repletos do jargão do Instituto Pontifex, conclui a sensação de um filme onde a aparência importa mais do que o sentido. Os personagens fingem investigar (vide a falta de faro deste detetive, a ausência de tensão na busca, a facilidade para encontrar documentos sigilosos), enquanto os jovens fingem integrar uma seita (eles têm cara de maníacos, porém deambulam pelo roteiro sem destino exato). Há muita causa para pouca consequência, e muita insinuação (os crimes em série na cidade) para pouca concretização (a sociedade, a mídia e as instituições estão alheias ao conflito, que poderia perfeitamente se passar apenas na mente de James). Ao final, tanto o suspense policial quanto o terror sobrenatural são desprovidos de suas principais chaves de funcionamento: o medo, a inevitabilidade, a surpresa, o inexplicável, a identificação. Faça um teste: de quantos nomes de personagens você se lembra ao final da sessão? Este indício já diz muita coisa.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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