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Sinopse

O famoso psiquiatra Phil Stutz fala de seu exclusivo método terapêutico em conversas com o ator Jonah Hill. Enquanto formulam questões sobre tratamento e passado, ambos percebem que têm algumas coisas em comum.

Crítica

Os minutos iniciais deste documentário Netflix mais parecem uma propaganda institucional do método terapêutico criado pelo psiquiatra norte-americano Phil Stutz. Diretor e paciente, Jonah Hill esmiúça os principais pontos de um tratamento menos ortodoxo para os males que afetam a saúde mental. A celebridade questiona o entrevistado sobre a representação simbólica de abstrações em desenhos, cita estratégias e menciona estruturas de pensamento, assim dando palco privilegiado para o profissional expor o seu trabalho. Em O Método de Stutz, o médico diz não acreditar nas abordagens tradicionais em que o paciente precisa de um processo para chegar por si a respostas fundamentais sobre angústias e outras sensações paralisantes. Ele tem um estilo menos formal e condutor, mais descontraído e imperativo. Diferentemente de alguns colegas, Phil afirma ser necessário oferecer conselhos claros aos pacientes em busca de soluções para seus problemas. Porém, esse texto não se prestará a avaliar o método de Stutz, pois para isso seria preciso que seu autor tivesse um conhecimento mais do que superficial sobre as teorias e técnicas tradicionais subvertidas, bem como a respeito das propostas alternativas. Cinematograficamente falando, estamos entre o filme de agradecimento e a egotrip de um astro que sentiu desde o cedo o peso da fama e a ambivalência das luzes dos holofotes de Hollywood.

Passada essa fase de apresentação/propaganda, quase um briefing do método de Phil Stutz, o cineasta Jonah Hill acena para algo que pode funcionar bem em alguns casos, mas que em outros (como aqui) ganha ares de muleta: escancarar os problemas do processo. Ele afirma que tem dificuldade para encontrar o tom do filme, revela artifícios inicialmente pensados para criar certa ilusão de continuidade nas cenas, em suma escancarando as vísceras do filme. Será mesmo? A sensação é a de que o movimento supostamente desesperado para encontrar algum norte que não estava previsto anteriormente é, na verdade, um passo bem calculado para reforçar o discurso de valorização da metodologia terapêutica. O “desnudamento” dos bastidores da filmagem expõe as inseguranças e os medos do artista que se tornou um rosto conhecido do público de uns anos para cá. E essa fragilidade é o gancho ideal para Phil Stutz ter ainda mais espaço para convencer o espectador a respeito da eficiência de sua forma de encarar questões como ansiedade, depressão e baixa autoestima. O médico aproveita bem esse espaço para apresentar táticas de associações, sugestões e a utilização abundante de metáforas, quase como se fosse um coaching reprogramando alguém que passa por um momento de turbulência. No entanto, a gratidão de Jonah Hill parece muito genuína, ao ponto de conceder o comando.

Em O Método de Stutz há uma descrição detalhada do método, ilustrada de modo bem didático para capturarmos seus fundamentos, mas também temos uma oscilante troca de posições. Em momentos cruciais do documentário, Jonah Hill cede o comando que a posição de cineasta lhe confere e retorna simbolicamente ao lugar de paciente ansioso por respostas. Essa alternância de poderes faz bem ao filme, pois sua mera existência permite refletir justamente sobre o que ela provoca. Pode um cineasta ter qualquer objetividade diante de alguém a quem obviamente dispensa uma admiração próxima à adoração? Por sua vez, pode um psiquiatra acostumado a um pedestal de tutoria relaxar ao ponto de permitir que seu paciente assuma as rédeas de uma relação com hierarquias estabelecidas entre eles? Fato é que provavelmente a inexperiência no comado de filmes de longa-metragem faz com que Jonah Hill não perceba as potencialidades de tais questões intrínsecas à dinâmica que ele próprio propõe. Por isso, deixa passar algumas oportunidades valiosas para transcender o caráter laudatório da abordagem. A isso ele prefere tentar frequentemente criar uma identificação com seu terapeuta, o que poderia também servir como oportunidade de autorreflexão acerca da natureza complexa da transferência entre ele e o profissional. Jonah insiste em sublinhar elementos e coincidências que o aproximam de Phil.

Portanto, O Método de Stutz oscila demasiadamente entre essa egotrip de Jonah Hill enquanto “testemunha privilegiada” do método e a vontade de transmitir algo que o realizador acredita ser fundamental para coexistir com os próprios fantasmas. Contrariando os instantes iniciais em que recusa o protagonismo (“o filme é sobre você”), ele investe cada vez mais na discussão de como Stutz foi fundamental para lidar com a baixa autoestima provocada pela obesidade, por exemplo. Tanto que chega ao ponto de trazer a sua mãe à frente das câmeras a fim de ter uma pequena sessão privado-pública a três sobre a hereditariedade de determinados ruídos a serem resolvidos. O filme se torna menos “umbigocêntrico” e propagandístico quando detido na fragilidade do seu real protagonista, o entronado Stuz, nos flagrantes das dificuldades impostas pela convivência há décadas com o Mal de Parkinson. Isso, embora algumas hesitações e resoluções de Stutz pareçam demasiadamente encenadas. A discussão em torno do amor duradouro, mas entravado por problemas, seria menos esquemática se o médico não chegasse a uma resolução aparentemente transformadora durante as filmagens, isso depois de 40 anos lidando com essa angústia. Repentino demais? Do ponto de vista da linguagem, Jonah Hill sugere um diálogo entre os artifícios e a realidade, mas acaba martelando demais essa intenção de se conectar com o terapeuta. No fim das contas, ambos acabam se tornando garotos-propaganda.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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