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Sinopse

Uma trupe de teatro chega à cidade interpretando Frankenstein. Uma jovem repórter acredita que o romance não é uma ficção, mas a verdadeira história de um grupo de alquimistas, fundado pelo jovem médico Victor Frankenstein. Suas investigações a levam a um universo de monstros e finalmente a uma revelação sobre o segredo de um amor eterno que desafia até a morte.

Crítica

O Mistério de Frankenstein (2021) é um filme sépia. Talvez o circuito de arte contemporâneo esteja acostumado às produções em preto e branco, ou dessaturadas, mas poucos projetos se arriscam pelo amarelado de aparência antiga, sobretudo a partir de uma textura digital de baixa qualidade. Existe pouca variação de cores nesta releitura de Frankenstein, entre o amarelo-terra, o amarelo-mostarda e o amarelo-claro. Este não é o único estranhamento provocado pela obra, pelo contrário. A cena inicial parte de uma ação em desenvolvimento, como se o roteiro tivesse pulado a introdução e a apresentação de personagens. As figuras ostentam forte maquiagem esbranquiçada que, ao invés de atenuar o tom da pele, multiplica espinhas e outras imperfeições. A quase integralidade da trama se passa entre terrenos baldios, usinas abandonadas e bares cobertos de pichações, despertando a impressão de um pós-apocalipse. Os longuíssimos créditos iniciais apresentam membro a membro da equipe técnica ao som de heavy metal (“It’s alive!”, grita o cantor em referência à frase icônica). É difícil para o espectador saber como se posicionar diante de uma estrutura tão atípica em termos de ritmo, estética e discurso.

De fato, a distância em relação às expectativas constitui uma das maiores preocupações do diretor e roteirista Costas Zapas. A imagem se esforça em produzir a sensação de incômodo, posicionando a câmera em ângulos inesperados, introduzindo diálogos absurdos, misturando live-action com animação e revelando a presença de uma gigantesca Lua visível durante o dia. O pressuposto de subversões se estende ao tratamento da história original. Não há monstros costurados na produção grega, nem cientistas ambiciosos. A aristocracia cede lugar à marginalidade: os protagonistas são atores de teatro de uma peça alternativa, frequentadores de inferninhos sujos, junto a duas repórteres andróginas de sexualidade ambígua. Retirados os inúmeros filtros e intervenções em pós-produção (o que inclui uma sombra maligna e o apodrecimento repentino das paredes), sobra a história inerte de uma repórter buscando entrevistar os atores da peça itinerante Frankenstein, porém sem consegui-lo. A trupe marca a conversa, depois desmarca, sugere que nunca fará, em seguida consente em receber a repórter, apenas para rechaçá-la de novo. O roteiro consiste em 90 minutos de tentativas frustradas de entrevista – o que provavelmente constitui o pesadelo de qualquer jornalista cultural.

As idas e vindas em torno desta frustração profissional remete ao teatro do absurdo, como em Esperando Godot ou A Cantora Careca. Ora, este gênero sempre abraçou o humor, estranhamente ausente na abordagem de Costas Zapas. De tão improváveis, diversas sequências se aproximam do ridículo, porém o cineasta insiste em tratar estes momentos com seriedade. Um dos principais incômodos diante da obra tão calculada para incomodar se encontra na falta de vazão aos seus estímulos: o humor nunca explode em qualquer piada ou gag, o terror não se intensifica rumo ao clímax, o suspense falha em criar tensão. Em paralelo, sugere-se uma catarse cênica que nunca acontece, uma entrevista impossível, um deslocamento invisível pela cidade e um relacionamento lésbico sabotado pela trama, além da descoberta de um suposto segredo que constitui exatamente o que os conflitos prometiam até então. Costas Zapas certamente se considera genial por frustrar os passos estabelecidos por si próprio, negando a própria premissa para sugerir outra e, então, frustrá-la também. Os planos desta obra pretensiosa gritam a vontade de “ser arte”, de ser diferentes de “tudo o que existe por aí”. O resultado se torna menos original, no sentido estrito do termo, do que egoico: a mise en scène relembra a todo instante a presença do cineasta por trás das câmeras.

Enquanto se esforça para criar um Frankenstein sem Frankenstein, uma lenda de terror sem terror, o diretor fornece uma releitura queer de Mary Shelley. A partir das figuras da repórter vestida com trajes masculinos, de um Victor de cabelo pintado e lentes de contato, de um barman com longas unhas postiças e de uma chefe masculinizada com casacos de pele, cria-se um elogio ao camp. No entanto, ao contrário da abordagem ultrarrealista de John Waters, por exemplo, Zapas prefere o pop das colagens e intervenções. Em consequência, a saturação de recursos de linguagem torna os rumos da trama e a composição do elenco secundários. Algumas ideias interessantes poderiam decorrer de Frankenstein enquanto símbolo LGBTQIA+: a noção de que a monstruosidade se tornou o medo do outro, a conversão de figuras queer em párias da sociedade, a sugestão de que os artistas só vivem quando fazem arte etc. “Me interesso muito por monstros. Afinal, somos todos monstros”, afirma um barman. Infelizmente, nenhum destes preceitos se desenvolve dentro da obra desprovida de qualquer discurso assertivo a partir da figura ressurgida dos mortos. A brincadeira estética se converte em finalidade – a arte pela arte.

Por fim, O Mistério de Frankenstein proporciona uma experiência memorável: não há dúvida de que ele se destaca em meio aos filmes de arte circulando pelos festivais. Entretanto, a comunicação se limita à retórica do prazer de chocar. A obra se encerra em si mesma, apesar do potencial que poderia oferecer via distanciamento. Zapas efetua menos um trabalho de direção do que de decoração de cenas, ao passo que os atores trocam a composição pelo valor da pose. A abordagem do diretor se aproxima daquela de um pintor, no sentido de criar um universo do zero, posicionando cada elemento onde bem entende, em oposição à relação com o real esperada da ontologia cinematográfica. Tudo aquilo oferecido naturalmente pelos cenários, pelas cores, pelas texturas, ou ainda pelos atores e pelo acaso, é retirado de cena. Zapas se interessa apenas pelo que possa pintar (digitalmente, em pós-produção), e não pela capacidade de apreender, representar ou ressignificar o mito original. Frankenstein se torna pretexto para um extravagante teatro de fantoches de baixíssimo orçamento, orgulhoso de sua precariedade compreendida enquanto liberdade autoral.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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CríticoNota
Bruno Carmelo
4
Alysson Oliveira
3
MÉDIA
3.5

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