Crítica


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Sinopse

Uma editora descobre uma obra-prima entre uma pilha de manuscritos rejeitados. Ela tenta rastrear seu autor desconhecido, que já pode estar morto.

Crítica

Baseado no romance homônimo do escritor David Foenkinos, O Mistério de Henri Pick se apresenta como um pastiche bem-humorado de gêneros, tendo como pano de fundo o universo do mercado literário. Dirigido pelo francês Rémi Bezançon – Um Evento Feliz (2011) e Zarafa (2012) –, o longa, inicialmente, chega a evocar uma aura mais cerebral e ambiciosa, o que poderia aproximá-lo, por exemplo, de Vidas Duplas (2018),trabalho mais recente de Olivier Assayas que também lida com os bastidores do meio editorial, trazendo debates aprofundados sobre o tema, além de conflitos intensos de relacionamento entre seus personagens. Essa possibilidade inicial, contudo, logo é descartada, dando lugar à busca por um entretenimento muito mais lúdico e despretensioso, cuja trama se inicia com a descoberta inesperada de um verdadeiro tesouro pela jovem editora Daphné Despero (Alice Isaaz).

É em visita ao pai, morador de uma pequena cidade na região da Bretanha, que a garota toma conhecimento sobre a “Biblioteca dos Livros Rejeitados”, onde se depara com um manuscrito nunca publicado intitulado “As Últimas Horas de Uma História de Amor”, de autoria de Henri Pick, pizzaiolo local falecido há dois anos. Apesar de surpresas com a descoberta desse talento oculto para a escrita, bem como do fascínio pela literatura russa – em especial pela poesia de Pushkin – a viúva de Henri, Madeleine (Josiane Stoléru), e sua filha, Joséphine (Camille Cottin), autorizam Daphné a publicar o livro, que em pouco tempo se torna um fenômeno de vendas. É a partir desse sucesso que entra em cena o verdadeiro protagonista do longa, Jean-Michel Rouche (Fabrice Luchini), arrogante crítico literário e apresentador de um conceituado programa de TV que, ao receber Madeleine e Daphné como convidadas, questiona veementemente a autenticidade da história de Henri Pick, o gênio improvável.

Tal questionamento, feito em rede nacional, causa um constrangimento que resulta na demissão de Jean-Michel, bem como no fim de seu casamento. Fatos que só fazem aumentar sua ânsia, de contornos obsessivos, por descobrir a verdade sobre a origem do manuscrito. Bezançon, assim, parte para o registro dessa jornada investigativa, que apesar de envolta numa atmosfera de mistério noir, favorecida pela ambientação parcial na Bretanha – representação da comunidade pacata e isolada cujos moradores partilham segredos – nunca mergulha, de fato, no suspense, se sustentando sobre um humor farsesco, que por vezes flerta com a fantasia. Da mesma forma que evita abraçar por completo o cinema de gênero, o diretor também acaba não explorando a fundo a possibilidade de redenção pessoal contida nessa jornada de Jean-Michel, ainda que exista uma humanização de sua imagem – do homem esnobe e desagradável do início a uma figura mais simpática ao final da projeção.

Esse processo de humanização inclui a insinuação de um arco romântico com Josephine. Ácida, direta e passional, a personagem surge ao mesmo tempo como oposto e complemento a Jean-Michel, algo que Camille Cottin transmite com extrema eficácia, estabelecendo uma boa dinâmica com o sempre confiável Luchini. Por mais que a tentativa de romance não pareça tão bem fundamentada, as trocas verbais entre os dois, que não ultrapassam o ponto que poderia levar a uma sofisticação pedante, mas que definitivamente não se apresentam banais, estão entre os pontos altos do filme, especialmente aquelas que referenciam a temática literária. Há certo tom crítico nessas observações em relação às engrenagens do mercado editorial – dos sucessos midiáticos e tendências efêmeras copiadas até seu esgotamento, do papel intrusivo do marketing na busca por criar novos best-sellers etc. – que trazem algumas ótimas frases: “Existem mais aspirantes a escritores do que leitores na França”, afirma a dona da editora para a qual Daphné trabalha.

Ainda que com todos esses elementos complementares interessantes, O Mistério de Henri Pick se atém mesmo à comicidade dos meandros da investigação de Jean-Michel, com suas pistas falsas e personagens peculiares – incluindo o bibliotecário excêntrico, a musa russa (participação especial de Hanna Schygulla) e as integrantes do Clube do Livro do vilarejo, que possuem um interesse exclusivo por romances policiais escandinavos. Tais passagens rendem momentos realmente divertidos, que Bezançon registra com elegância, imprimindo um ritmo envolvente e levando a uma resolução que, se não tão perspicaz quanto almeja, ao menos escapa à obviedade e se mostra suficientemente crível para não provocar o sentimento de frustração - trazendo ainda um pouco do viés crítico citado anteriormente. O que talvez falte ao cineasta para elevar seu trabalho, além de uma assinatura mais pessoal, é a ambição de enveredar plenamente pelas possibilidades como a da metalinguagem ou a da fantasia. De qualquer forma, o resultado final é agradável e sincero dentro de suas pretensões comedidas.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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Grade crítica

CríticoNota
Leonardo Ribeiro
6
Roberto Cunha
7
MÉDIA
6.5

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