Crítica
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Sinopse
Três dias antes do disputado primeiro turno da eleição que visa definir o seu sucessor, a presidenta da França fica sabendo de um escândalo que pode conduzir a extrema-direita ao principal posto do país. O que ela fará?
Crítica
As histórias ambientadas nos bastidores do poder exercem um fascínio especial sobre o público. E alguns desses filmes, séries, livros e peças a respeito de reis, rainhas, presidentes, primeiros-ministros e afins ofertam o que podemos chamar de “queda do Olimpo”. Nesse declínio, pessoas proeminentes são “desmascaradas” em sua banalidade: exibem dúvidas, anseios, se contradizem, são desmentidas e revelam ter várias necessidades condizentes com a sua condição humana, menos relacionadas ao cargo que as reveste com uma aura magnânima. A plateia, por sua vez, pode regozijar-se ao conferir a queda à mundanidade dos “deuses” eleitos/empossados. Peguemos como exemplo uma série de sucesso como The Crown (2016-), cujo apelo principal está justamente na revelação do aspecto ordinário das pessoas supostamente designadas por Deus para representar a nobreza. O Mundo de Ontem faz algo parecido ao colocar como protagonista uma figura importante da sociedade francesa em meio a dilemas que revelam suas camadas menos excepcionais. Elisabeth (Léa Drucker) é a presidenta da França que recebe uma notícia desanimadora três dias antes do pleito que elegerá o seu substituto. Situação e oposição estão tecnicamente empatadas, mas há a promessa de algo vindo da Rússia para desiquilibrar a balança e jogar esse cargo cobiçado no colo do candidato da extrema-direita.
Recorrendo à linguagem dos thrillers políticos, o cineasta Diastème mostra a protagonista sendo bombardeada por assessores, alvejada por novidades alarmantes e tendo pouco tempo para agir. Qual a melhor saída diante do caos que se aproxima? Criar uma estratégia escusa para assegurar a manutenção da democracia, cruzar os braços e esperar a bomba explodir ou tomar uma atitude drástica que ultrapasse as principais barreiras impostas pela éticas e a legalidade? Portanto, vemos Elisabeth sendo posta à prova, nesse caminho duvidando de amigos e envolvida numa teia mais ou menos extensa de aliados/inimigos com atuação dúbia. O Mundo de Ontem não se apega às complexidades para traçar esse panorama repleto de tensões. E isso o empobrece bastante. Por exemplo, a presidenta e seus partidários são compreendidos simplesmente como defensores do lado correto, não restando sobre eles mais do que sugestões inofensivas de anseio desmesurado pelo poder. Desse modo, o filme tenta engajar o espectador num jogo raso: de um lado estamos nós e do outro lado estão eles, ou seja, os extremo-direitistas. O único personagem da parcela dita progressista que recebe tintas um pouco ambivalentes nesse emaranhado é o candidato da situação, um fanfarrão que menospreza o adversário e não demonstra consideração com a séria ameaça que a democracia sofre nas mãos de seu oponente.
Dentro desse simplismo, Elisabeth é uma mártir em O Mundo de Ontem. E isso fica evidente nas interações com a filha adolescente – que reclama reiteradamente da sua ausência – e com as sessões médicas às escondidas. Portanto, há na telona uma estadista pressionada que tem seus compromissos éticos colocado em xeque e vitimada por uma doença potencialmente agressiva que complica ainda mais as coisas. O cenário está montado para um filme nervoso ou mesmo para um estudo profundo de personagem, sobretudo partindo da ideia da derrocada do Olimpo direto ao olho do furação. No entanto, Diastème não elabora bem certas situações e/ou decisões capitais, vide a displicência com a qual trata a importância das reivindicações da filha para acentuar o drama pessoal da mãe. Aliás, a ausência da menina não representaria qualquer perda à trama, uma vez que ela serve apenas (e bem esporadicamente) para representar outro ponto de pressão à presidenta que precisa escolher entre o futuro e a dignidade pessoal. Mas, há sutilezas muito bem-vindas no filme, como a atuação do chefe da segurança austero de Elisabeth. É perceptível nas entrelinhas mais do que uma admiração profissional e/ou competência pela forma como o sujeito trata a superiora. E um amor velado (platônico?) é escancarado quando ele a ampara no corredor e, à frente, ao cobrir seu corpo exposto e parcialmente nu.
O Mundo de Ontem não concatena bem a colisão entre os lados pessoal e profissional de Elisabeth. A conversa com o ex-marido e os diálogos com a filha são descartáveis. Talvez o que melhor revele a protagonista seja a maneira de lidar com amigos de longa data que a amparam no gabinete. Já no que diz respeito ao discurso político do filme, fica claro um repúdio completo aos arroubos de grandeza dos representantes de uma extrema-direita preconceituosa, racista, xenófoba – e o Brasil de Jair Bolsonaro é citado como exemplo da escalada preocupante dessa política. Fica evidente, também, que é urgente evitar que um populista grosseiro como Willem (Thierry Godard) chegue ao poder. Porém, a principal questão mantida ao longo do filme é: será Elisabeth capaz de tomar uma atitude que viole as regras democráticas para salvaguardar justamente a democracia? Esse paradoxo está ali, mas é pouco provocado por Diastème. Da maneira como as coisas são apresentadas, determinado desfecho parece apenas uma questão de tempo (e de falta de alternativas). Então, não se trata (infelizmente) de enredar o espectador nos corredores intrincados dos labirintos da ética e da moralidade, mas apenas de prolongar algo que parece inevitável. E dentro dessa ideia de thriller político, o realizador não esfumaça as fronteiras entre certos e errados, delimitando bem onde um começaria e o outro terminaria, assim não compartilhando dúvidas ou complexidades com o espectador, apenas o informando.
Filme assistido durante o 13ª Festival Varilux de Cinema Francês, em junho de 2022.
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