Sinopse
Tentando encontrar seu irmão há muito desaparecido, um bem-sucedido homem de negócios mergulha profundamente num submundo de moradores ilegais e outros infratores. E esse movimento ameaça a sua vida.
Crítica
O cenário de O Mundo dos Esquecidos é bastante promissor. Especialmente na primeira meia hora da trama, o cineasta Joel David Moore vai organizando as peças desse quebra-cabeça que sugere algumas reflexões bem interessantes. Somos apresentados ao protagonista Noah (Jonathan Rhys Meyers) por meio de sua obsessão, característica que promete ser muito importante para entender a sua personalidade. A câmera se demora nele organizando cada objeto da casa, se certificando de que todas as garrafas estejam com a embalagem no mesmo sentido dentro da geladeira, sofrendo diante da sujeira decorrente do café da manhã do filho. Então, já sabemos: temos aí um sujeito meticuloso. Ainda nessa fase de apresentação, há um contraste visual que parece igualmente determinante entre a casa milimetricamente arrumada de Noah – toda em tons frios/neutros e de natureza praticamente impessoal – e o hotel antigo prestes a ser demolido onde supostamente mora seu irmão renegado. Algumas linhas de diálogo reforçam o antagonismo entre caos e ordem, explicitando desnecessariamente o que poderíamos captar nas entrelinhas. Então já sabemos: há algo de vital na diferença brutal entre as concepções de mundo que podem se anular. Além disso, o pano de fundo é um conflito familiar motivado por uma herança. Um irmão recebeu tudo e o outro se tornou um pária miserável. Então já sabemos: há tintas shakespeareanas (sobretudo Rei Lear) nessa história que caminha cambaleando, mas caminha.
O atrito entre Noah (e suas roupas impecáveis) com o estilo de vida “fazemos o que podemos” dos moradores do prédio condenado pela prefeitura engatilha a reflexão sobre o aspecto econômico contido nesse óbvio abismo social. Some a isso o fato de boa parte dos desvalidos serem estrangeiros. Homens, mulheres e crianças que migraram aos Estados Unidos e que têm como única alternativa sobreviver sob um teto que está prestes a ser demolido pela especulação imobiliária – da qual o protagonista é um representante. As coisas parecem esquentar. Por fim, o assassinato da desconhecida que torna o lugar caindo aos pedaços um espaço onde é aconselhável se cuidar. Todos esses elementos criam um panorama convidativo, repleto de possibilidades a serem desenvolvidas enquanto vigora o mistério sobre o paradeiro do irmão misterioso. Mas, Joel David Moore consegue a “proeza” de, gradativamente, minar todas as potencialidades e enveredar seu longa-metragem por um caminho genérico e desprovido de intensidade dramática. Para começo de conversa, a meticulosidade de Noah não é relevante ao longo da história, sequer retomada após a apresentação pomposa. Assim, o que parecia ser um traço imprescindível para compreendermos uma personalidade obsessiva acaba desimportante em virtude da inanição. O antagonismo entre caos e ordem é meramente contextual, igualmente não recebendo qualquer atenção como fator determinante ou aspecto fundamental. Que lástima.
Já o conflito motivado pela herança não passa de uma desculpa bem esfarrapada para cercar um jogo de gato e rato tão burocrático quanto enfadonho. Joel David Moore aposta numa mistura de suspense e horror para sugerir que a família abastada não está verdadeiramente a salvo em sua propriedade severamente vigiada por câmeras de segurança e profissionais contratados. Temos várias cenas com vultos indecifráveis cruzando a frente da câmera, personagens ouvindo barulhos onde eles não deveriam existir, isso sem contar os “fantasmas” que frequentemente aparecem para o cada vez mais atormentado Noah. A questão social (basicamente, ricos vs pobres) não é menos negligenciada, se tornando um componente banal dessa narrativa que não sabe a que veio. Ela fica indecisa entre privilegiar o dado sensorial dos enigmas ou permitir que consigamos ponderar subtextos e entrelinhas a partir deles. Nada se estabelece e o desempenho apenas correto do elenco não ajuda. Por exemplo, Jonathan Rhys Meyers é rapidamente sabotado pelas obviedades da direção que enfatiza o que de mais banal e comum há no seu personagem. Em pouquíssimos momentos o cineasta se detém nas sutilezas do comportamento desse sujeito que parece corroído pela culpa e determinado a corrigir o curso que levou sua família a uma separação aparentemente traumática. Entretanto, como todos os demais atores e atrizes parecem operar no mesmo “piloto automático”, provavelmente a direção seja a maior culpada.
Era para ser incandescente, mas acaba morno. Era para ser profundo, mas acaba afogado no raso. A produção se sai bem apenas num quesito: criar uma bomba de fumaça para desviar a atenção do espectador do que verdadeiramente está acontecendo. Tomando todos os cuidados para evitar o spoiler – já que a revelação é essencial para o modo como o filme expõe as suas intenções –, pode-se dizer que sobra um espaço generoso para discutir se a trama acaba ou não resvalando na xenofobia. O Mundo dos Esquecidos é um remake do sul-coreano Esconde-Esconde (2013). No original, tudo se passava na Coreia do Sul e não havia o componente do estrangeirismo. Uma vez que a trama é deslocada para a cosmopolita Nova Iorque, e que apenas uma personagem específica é vista como a grande responsável por todo o mal, é de se pensar se, mesmo que involuntariamente, Joel David Moore não acabou incorrendo num estereótipo. Sim, pois Hollywood cansou de apresentar imigrantes e/ou refugiados como figuras amedrontadoras, assim reservando ao cidadão norte-americano os papeis de vítimas que precisam ficar atentas com os que vêm de fora. Os últimos minutos do filme mostram uma coletânea de correrias e incongruências diante das quais somos convidados a suspender muito a nossa descrença. E, nesse percurso errático, as metáforas, as discussões e mesmo a intensidade do thriller se esvaem como que não tivessem fôlego para continuar existindo num conjunto bastante genérico.
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