Crítica
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Crítica
Destoando do comportamento quase totalmente estático e frontal da câmera de O Muro, a abertura deste documentário se dá com o travelling expressivo de uma murada de metal erguida em Brasília, na Esplanada dos Ministérios. O movimento dá a ideia da extensão dessa barreira que visa separar "coxinhas" e "petralhas", supostamente para garantir a inexistência de um conflito e, por conseguinte, a fim de manter a integridade física dos envolvidos. No plano simbólico, esse paredão representa a cisão político-social brasileira, sublinhada pela diferença entre os favoráveis ao impeachment da então presidenta Dilma Rousseff e os alinhados à esquerda. Estes denunciavam os processos jurídicos como parte do golpe para lesar a jovem democracia nacional. A imagem foca no empecilho ao outro lado, enquanto vozes em off e não identificadas destrincham a convulsão que tomou conta do país, perceptível em níveis distintos até hoje, sem término previsto em vista.
O cineasta Lula Buarque de Hollanda propõe uma linguagem documental vizinha da experimental, ressaltando texturas, seja a dos quadros formados por militantes empunhando símbolos de suas lutas, sintomaticamente semelhantes a escudos, ou a dos dizeres que os entrecortam tentando dirimir o caos vigente. Há, também, a alternância entre tons obviamente acadêmicos, com falas articuladas e ponderadas acerca da complexidade em voga, e reproduções populares de chavões e gritos de guerra. Essa polifonia garante o dinamismo que a construção visual deliberadamente nega, criando camadas narrativas que acabam se imbricando para gerar sentidos e reflexões. Embora incorra num processo de repetição contraproducente, e que a ausência de variações traga consigo uma sensação incômoda de pouco avanço, o painel criado paulatinamente é abrangente, sem pender abertamente para um dos vieses dessa contenda constituída de passionalidade.
Outra figura desse cenário político-social polarizado, rapidamente investigada por O Muro, é o “isentão”, o cidadão que não se vê representado necessariamente por ideologias de esquerda e direita, resguardando para si o direito a uma cômoda posição mediana. Excetuando a análise de um homem que prega a virtual impossibilidade de isentar-se diante da situação em que o Brasil se encontra, não é muito estudado esse sujeito que permanece em cima do muro. Passados dos terços do documentário, Lula – o Buarque, não o ex-presidente que, aliás, é mencionado apenas por simpatizantes petistas – decide evadir fronteiras, passando pelos Estados Unidos igualmente divididos, só que entre os apoiadores e os detratores de Donald Trump. Além disso, expande a observação dos muros ao mencionar a sombra do de Berlim e a presença violenta do que separa inapelavelmente israelenses de palestinos. Esse pequeno desvio serve apenas como mera ilustração.
O Muro explora noutra chave o que certos filmes, especialmente documentais, vem abordando diante da crise que assola o Brasil há algum tempo, oferecendo possibilidades de avaliação. Lula Buarque de Hollanda não demonstra ímpeto catequista, tampouco aponta o lado que mais coaduna com suas convicções ideológicas. O filme é uma apuração dessa sanha separatista que, dentre tantos efeitos colaterais, inviabiliza o diálogo e o debate das divergências a fim de atingir metas comuns, como o fim da corrupção, a diminuição da taxa de desemprego, o crescimento econômico, etc. O realizador, por meio de uma deliberação desafiadora, entrega subsídios suficientes para o espectador chegar às suas próprias conclusões, ainda que os enunciados dos quais lança mão estejam totalmente à mercê das preconcepções de quem assiste, sobretudo em virtude da ausência de uma retórica peremptória. A poesia emana dessa babel sonorizada expressivamente como filme de horror.
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