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Crítica


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Sinopse

Indignada com a rabugice do pai, a filha de Deus decide utilizar o computador dele para contar às pessoas da Terra exatamente qual será a data de suas mortes.

Crítica

O Deus abrãamico é um sujeitinho rancoroso, ciumento, cheio de orgulho, injusto e intransigente, e não é figura diferente que o filme O Novíssimo Testamento evoca na pele de Benoît Poelvoorde. Um rabugento homem branco de meia idade, violento com a filha e cerceador das vontades e desejos próprios da mulher, Deus passa a maior parte de seu tempo em um computador desatualizado – única mobília de um escritório que tem as paredes tapadas por gavetas de arquivos antiquados – enquanto fuma e se diverte inventando leis absurdas para governar os humanos. E se essa parece ser a principal crítica à religião feita pelo filme de Jaco Van Dormael, um olhar mais atento revela o contrário, já que essa é uma tradução quase que literal do personagem e da realidade descritos na Bíblia.

Le tout nouveau testament

A verdadeira crítica deste filme reside, então, não no que conta, mas em como faz isso, adotando um tom de fábula – que remete aos estabelecidos pelas obras de Jean-Pierre Jeunet – tratando Deus, Jesus, Adão e Eva exatamente assim: como personagens. E dessa maneira, Dormael, a exemplo do Noé (2014) de Darren Aronofsky, escancara o teor fantasioso dos famosos escritos sagrados, usando para isso uma narrativa orgulhosamente ficcional.

Cansada das atitudes mesquinhas e cruéis do pai, Ea (Pili Groyne) invade o seu computador e envia as datas individuais de morte para cada ser humano. Sabendo exatamente quando irá morrer, o povo por aqui recebe o novo conhecimento dos mais variados modos, entrando em colapso, desistindo de guerras e até mesmo seguindo normalmente as suas vidas. Com toda a humanidade acometida de uma nova visão perante à morte inevitável e friamente premeditada, Ea decide caminhar entre os mortais e colher o depoimento de seis figuras singulares – seus apóstolos – escrevendo, assim, um novo e revigorado Testamento.

Não satisfeito em criticar Deus – que passa a maior parte do filme se dando mal e caindo nas mãos de skinheads e sendo vítima de outros males criados por ele mesmo – O Novíssimo Testamento ainda “comete a heresia” de ir contra os ensinamentos mais propagandeados pelas escrituras e coloca uma menina formando um grupo de uma diversidade social curiosa: uma mulher rica, uma deficiente física, um mendigo, um homem virgem e de moral imaculada, um garoto que gosta de se vestir de menina, e por aí vai. O único porém fica por conta de não haver um negro ou representantes de outras etnias entre eles para melhorar a metáfora.

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Cada um dos seguidores de Ea traz visões simples e belas do mundo para o novo texto, que de outro modo são explicadas de forma didática e expositiva em sequências como a que acompanha um deles seguindo um bando de pássaros. Ou seja, O Novíssimo Testamento, em certa altura, decide dizer que não é preciso de Deus ou religião para se apreciar o que há de belo no nosso planeta ou em nossas existências, e, muito menos, para se agir com bondade em relação ao próximo. Acima de tudo, afirma também que é possível ajudar-nos uns aos outros sem precisar de uma desculpa celeste para isso. Pra completar, discursa sobre o pensamento religioso ser, provavelmente, um dos principais motivos deste tipo de atitude de compaixão entre as pessoas não se propagar com tanta facilidade. Talvez seja uma mensagem pouco original, apresentada de forma menos instigante e complexa do que, por exemplo, o faz A Árvore da Vida (2011), de Terrence Malick. Mas em tempos de extrema opressão política religiosa, nunca é demais insistir em verdades como essas.

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é formado em Produção Audiovisual pela PUCRS, é crítico e comentarista de cinema - e eventualmente escritor, no blog “Classe de Cinema” (classedecinema.blogspot.com.br). Fascinado por História e consumidor voraz de literatura (incluindo HQ’s!), jornalismo, filmes, seriados e arte em geral.
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