Crítica
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Sinopse
Após passar dez anos em solo europeu, J.J. Jake Hannaford, um diretor cinematográfico temperamental, resolve fazer um longa-metragem inovador. Porém, ele enfrentará diversos embates com executivos de Hollywood que tentarão impedir a produção do filme, considerado pelo cineasta uma futura obra-prima.
Crítica
Não é todo dia que estreia um filme de Orson Welles. Projeto finalizado muitos anos após a morte do grande cineasta, O Outro Lado do Vento radicaliza alguns procedimentos e observações de exemplares como Verdades e Mentiras (1973), no qual o cinema também é colocado na berlinda e se configura imprescindível. Mas, aqui, o realizador, que estreou mostrando ao mundo seu imenso talento em Cidadão Kane (1942) e cuja trajetória foi marcada por brigas significativas com produtores e problemas de financiamento, dá um passo além, desafiando o espectador ao apresentar um fluxo vibrante e aparentemente desconexo. A figura principal é um diretor badalado, Jake Hannaford (John Huston), às voltas com a finalização de seu mais novo longa-metragem, de intenções não exatamente comerciais. Como era de se esperar, a empreitada gera confrontos com os mecenas. A metalinguagem, portanto, ajuda a desenhar uma série de autocitações, não diretas, mas indiretas de vivências hollywoodianas.
Por mais caótica que pareça, a narrativa de O Outro Lado do Vento, montada com base em anotações e apontamentos feitos por Welles, mantem-se consistente com a disposição na telona dos tipos insidiosos que gravitam em torno de Jake. A minúcia está em extrair a expressão de cada cargo/personagem perscrutado com um cinismo sintomático do prisma vigente. Essas peças, gradativamente, formam um painel amplo dos bastidores caracterizados por conversas e intenções de sentidos ambíguos. A ausência do jovem protagonista é suprida pela disposição de manequins devidamente trajados como ele. A certa altura, John Huston, conhecido também por ser um entusiasta da caça – olha a aproximação com o real, novamente –, abate cada um desses bonecos que representam intérpretes fantoches. Magnatas desalinhados da proposta artística, técnicos acostumados às manias das divas, críticos sibilantes e a ávida imprensa frequentam as coxias desse espetáculo deliberadamente histriônico e atrevido.
O Outro Lado do Vento é, portanto, a encenação de um ponto de vista bastante privilegiado do jogo de interesses e da movimentação das peças no tabuleiro da produção de um longa-metragem. O filme dentro do filme, porém, traz o contraponto que equilibra essa balança, não deixando que o conjunto seja dominado pelo sarcasmo. Oja Kodar, co-roteirista e atriz, aparece como um totem do desejo, seguida quase por falta de escolha pelo personagem de Robert Random. De certa forma, ela representa o fascínio, o perigo, o mistério, ou seja, a pulsação da Sétima Arte. Para reforçar a metáfora, a atriz, chamada de Pocahontas por conta de uma diegética ascendência indígena, literalmente pega em armas para simular um contra-ataque nativo-americano que coloca em xeque a tradição do faroeste. Orson Welles justapõe as camadas do enredo e das dimensões, criando intencionalmente um labirinto, ao qual não é oferecida uma saída plausível. As simbologias são construídas tendo como premissa o cinema, vide, ainda, drive-ins e o claro decalque de James Dean.
Numa indústria cinematográfica tomada por fórmulas e caminhos facilitados, este longa (re)surge como um objeto fílmico não identificado, uma aberração bem-vinda de outros tempos. Orson Welles não faz concessões, alternando o preto e branco e o colorido, a fim de experimentar texturas numa mesma cena, e fazendo dos personagens meros arquétipos torcidos conforme sua visão desgastada por anos de contendas de bastidor. John Huston fornece contornos míticos ao cineasta tido como um visionário dado a excentricidades, respeitado, temido e odiado em semelhante medida pela equipe conhecedora de seus caprichos. Enquanto A Marca da Maldade (1958) e Cidadão Kane lançam luz sobre corrupções humanas, respectivamente, dentro da classe policial e da imprensa, O Outro Lado do Vento depura essa mordacidade com uma pegada paradoxalmente fascinada por um meio degradado, mas do qual vem algo tão encantador quanto o cinema, uma sublime sucessão de imagens e sons que, então, emerge do lodo.
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