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Sinopse

Recém-saído da prisão, o porto-riquenho Carlito Brigante tenta se reerguer de forma lícita. Embora pareça conseguir isso no início, aos poucos ele vai sendo tragado novamente ao centro de um redemoinho de criminalidade.

Crítica

De Palma adentrou a década de 90 com dois longas que não obtiveram o sucesso esperado, A Fogueira das Vaidades (1990) e Síndrome de Caim (1992). Logo na sequência lhe foi oferecida a chance de dirigir O Pagamento Final, oferta que o cineasta inicialmente recusou, devido às semelhanças da história de um gângster latino com a de Scarface (1983). Mas, após ler o roteiro baseado nos livros de Edwin Torres, De Palma aceitou a proposta, e não só retornou ao universo dos filmes de máfia, como também retomou a parceria com Al Pacino, exatos dez anos após o lançamento de Scarface, para realizar uma de suas maiores obras-primas.

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Na história, passada nos anos 70, sai o gângster cubano e entra um porto-riquenho, Carlito Brigante (Pacino), que acaba de ganhar a liberdade após cumprir cinco anos de prisão, de uma sentença de 30, graças aos esforços de seu advogado, David Kleinfeld (Sean Penn). Após a experiência atrás das grades, Carlito decide abandonar de vez a vida de crimes e, novamente com a ajuda de Kleinfeld, consegue emprego como gerente de uma boate da qual o advogado é investidor. Os planos de Carlito são simples: trabalhar no lugar o tempo suficiente para juntar 75 mil dólares, quantia necessária para poder entrar como sócio em uma empresa de locação de automóveis nas Bahamas, levando consigo sua antiga namorada, a dançarina Gail (Penelope Ann Miller).

O tom trágico do longa é apresentado logo em seu prólogo que, através de virtuosos movimentos de câmera, acompanha Carlito deitado em uma maca e sendo socorrido por paramédicos. Filmada em preto e branco e com narração em off, quase como num film noir, esta sequência já deixa claro ao espectador que, para Carlito, não há como escapar de seu destino inglório. Assim como outros personagens da filmografia de De Palma, do próprio Tony Montana ao Rick Santoro (Nicolas Cage) de Olhos de Serpente (1998), Carlito é, a princípio, apresentado como um anti-herói que, mesmo levando uma vida às margens da lei e cometendo atos moralmente questionáveis, consegue ganhar a simpatia do público. As imperfeições dos personagens atraem De Palma, sendo muitas vezes refletidas nos resultados de seus trabalhos, e de onde o cineasta extrai parte da beleza dos mesmos.

Mas diferente dos outros protagonistas citados, o Carlito Brigante, interpretado com a dose certa de melancolia e obstinação por Pacino, possui uma aspiração para a redenção mais evidente, que o aproxima dos heróis mais clássicos da obra do diretor, como o Eliot Ness de Os Intocáveis (1987), o Jack Terry de Um Tiro na Noite (1981) ou até o Ethan Hunt de Missão: Impossível (1996), na medida em que todos parecem lutar contra uma força maior, a do mundo à sua volta. No caso de Carlito, este mundo é o do crime, que insiste em tentar tragá-lo novamente, impedindo a realização do sonho de uma nova vida. Seja através do personagem de Viggo Mortensen (que aparece apenas em uma cena, mas de maneira marcante), de Kleinfeld (Sean Penn em uma grande caracterização, assumindo parte da vilania do filme) ou do traficante vivido por John Leguizamo, o Benny Blanco do Bronx, nome que o espectador jamais poderá esquecer ou perdoar, o universo parece não querer oferecer esta segunda chance a Carlito.

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Neste conto de fantasias desfeitas, o desprendimento da realidade, sempre presente na obra de De Palma, surge em escala reduzida. Mas apesar de ter um dos roteiros mais bem amarrados de sua carreira, o cineasta não se priva de criar sequências que se fazem presentes pelo puro e simples prazer visual. Prazer pela criação de imagens. Desta motivação surgem cenas memoráveis, como a da partida de sinuca ou a do ataque no elevador. Cenas que servem ao espetáculo, mas que também podem servir para estabelecer relações. Um belo exemplo é a sequência em que Carlito vai ao terraço de um prédio, segurando a tampa de uma lata de lixo sob a cabeça em uma noite chuvosa, para observar Gail. Cena que pode soar totalmente deslocada e não natural, mas que evidencia o lado humano do personagem, através de seu amor pela dançarina. A relação entre os dois guarda outros momentos que contribuem para essa humanização, ajudada pela beleza, e interpretação que mescla força e fragilidade, de Penelope Ann Miller.

Do casal, De Palma também extrai as esperadas referências a Hitchcock, como no primeiro beijo entre os dois, que remete diretamente à cena de James Stewart e Kim Novak em Um Corpo Que Cai (1958), com a câmera circundando os amantes. Falando no mestre do suspense, De Palma realiza nos últimos 20 minutos de filme uma verdadeira aula de criação de tensão, com a perseguição nas estações de trem e metrô. Orquestrada de maneira magnífica, como um verdadeiro balé, esta sequência é sem dúvidas um dos ápices da carreira do cineasta, para não dizer de todo o cinema norte-americano da década de 90. Este apogeu emocional nos leva ao epílogo, que retoma a tragédia do início, fechando um ciclo. É chegado o momento em que Carlito deve aceitar seu destino, e por um instante, ao menos é nisso que queremos acreditar, De Palma nos dá a esperança de que este final possa ser diferente. Mas, logo em seguida, o próprio Carlito confessa ao espectador que tem a consciência de que seu desfecho só pode ser um.

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Neste momento, quando Carlito lança um olhar que mistura alegria e alívio, De Palma nos brinda com o plano que sintetiza todo o seu cinema, sua crença na força da imagem, no poder da ilusão, na capacidade de traduzir sonhos. Pois só mesmo a tão afamada magia do cinema é capaz de, com a morte, dar vida ao outdoor que convida à fuga para o Paraíso. Com movimento, dança, cores e sons, De Palma prova que mesmo sendo a arte do “faz de conta”, o cinema é capaz de se igualar à natureza e criar imagens tão belas e reais quanto o último pôr do sol em uma praia paradisíaca.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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