Crítica


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Sinopse

Um homem enfrenta um turbilhão de sensações quando o casamento de sua filha está para acontecer.

Crítica

A julgar pela ‘franquia’ O Pai da Noiva, pouco mudou na sociedade ocidental nos últimos trinta anos, ainda mais se confrontado com as quatro décadas anteriores. Em O Papai da Noiva (1950), Spencer Tracy era o patriarca que não apenas sentia emocionalmente o dever de reconhecer que sua filha (vivida por Elizabeth Taylor) havia crescido, como também se via em apuros ao ter que lidar com as obrigações financeiras da comemoração do matrimônio – afinal, ainda competia à família da moça a responsabilidade de assumir estes custos. Pois em O Pai da Noiva (1991), o primeiro remake, foi a vez de Steve Martin enfrentar tais funções, deixando claro que pouco havia mudado entre uma versão e outra. Porém, se o esperado era basicamente o mesmo da incursão anterior, esse O Pai da Noiva atual segue batendo em tecla idêntica, como se os dramas permanecessem inalterados. Com um agravante: se tanto Tracy quanto Martin eram homens caucasianos, dessa vez esse papel recai sobre os ombros de Andy Garcia. Ou seja, trata-se de uma refilmagem “latina”, por assim dizer. Mas além de um sotaque carregado e um ou outro “colorido” típico para turista ver, há raras novidades se comparado com as tramas vistas antes.

O maior diferencial dessa releitura, se é que pode ser encarado desse modo, diante de suas predecessoras, está em redirecionar seu foco, antes fixo na dinâmica do patriarca frente às transformações familiares, para a história desse homem, sua visão de mundo e não mais mantê-lo tão isolado (por mais que essa sensação se repita em uma ou outra ocasião), mas integrado como parte de um todo. Um bom passo nessa direção foi colocá-lo ao lado da esposa, vivida pela cantora Gloria Estefan – que não atuava em um longa desde o telefilme Por Amor ou País: A História de Arturo Sandoval (2000), ao lado do mesmo Andy Garcia de agora – já em sua primeira cena em um consultório com uma psicóloga, para juntos discutirem a crise que enfrentam na relação. Assim, antes mesmo das bodas, há uma separação no horizonte. Os dois, por muito tempo, pensaram terem sido feitos um para o outro, mas não mais se entendem. Acima de tudo, ela está cansada e conclui ter feito o possível. Ou seja, não há mais o que lamentar. Quer o divórcio, por mais que ele não esteja convencido disso.

No longa dirigido por Gary Alazraki – que já havia se metido em imbróglios familiares na comédia Los Nobles: Quando os Ricos Quebram a Cara (2013) – o personagem-título, portanto, não apenas tem que enfrentar a missão de reconhecer que sua garota não é mais uma menina e lhe proporcionar a cerimônia mais encantadora possível – e sem permitir que o pai do noivo contribua, afinal, onde ficaria sua “honra” caso aceitasse ajuda? – como também se verá esforçado em reconquistar sua companheira de tantos anos. A visão empreendida é tão machista que às mulheres não é delegada quase nenhuma influência, seja num caso, como no outro. A filha (Adria Arjona, ainda tentando se recuperar do fiasco de Morbius, 2022) é a típica jovem rebelde, um estereótipo confortável: afinal, a ela basta agir exatamente no sentido contrário ao esperado. Assim, é quem propõe casamento ao namorado (Diego Boneta, sem muito o que fazer além de soar descolado o suficiente para justificar o interesse dela), que afirma querer um vestido de noiva simples (deixando essa tarefa ao encargo da caçula, interpretada por Isabela Merced, a eterna Dora Aventureira) e sonhar com uma troca de votos sem maiores estardalhaços. Tudo o que não irá acontecer.

Uma figura fundamental na versão dos anos 1990 era o planejador da festa, defendido com virtuose por Martin Short. Essa mesma figura, dessa vez, ganha ares de modernidade com Chloe Fineman (Search Party, 2020-2021), que não contente em abraçar um clichê (apesar de se apresentar como uma influenciadora digital relevante, logo assumirá ser uma fraude), rapidamente irá empenhar outro (tem como ajudante um ‘melhor amigo gay’). Esse desespero por preencher todas as cotas irá se manifestar também na figura da irmã, que aos 45 do segundo tempo, sem que nenhuma suspeita tivesse sido levantada – e nem ao menos cogitada – até aquele momento, decide assumir sua homossexualidade, como a cereja de um bolo que há muito desandou. Se atira para tantos lados – o pai controlador, a mãe insatisfeita, a noiva moderna, o pretendente despreocupado, a garota indecisa quanto ao seu futuro profissional, os sogros exagerados, etc – que tudo o que consegue oferecer é uma aparência de requentado às pressas, no melhor estilo “já visto antes, e com mais efeito”.

O caráter oportunista desse O Pai da Noiva, por fim, se confirma durante os créditos finais, quando se identificam nomes como Dede Gardner e até Brad Pitt (!) entre os produtores – o que os dois, loiros e bem-sucedidos, teriam a dizer sobre uma história protagonizada por imigrantes latinos tentando reencontrar suas raízes ao passar seus costumes e tradições de uma geração à seguinte? O fato é que, para cada 12 Anos de Escravidão (2013) – que rendeu o Oscar de Melhor Filme para a dupla – são necessários vários projetos não tão ousados e de maior apelo junto ao público que sustentem a engrenagem de uma indústria que visa um equilíbrio entre o artístico e o comercial. Uma aposta delicada, e que por isso mesmo nem sempre se confirma. Tanto O Papai da Noiva (1950) quanto O Pai da Noiva (1991) foram imensos sucessos, tendo os dois, inclusive, gerado continuações. Um futuro difícil de se imaginar nesse caso recente, visto que nem mesmo um lançamento nos cinemas recebeu (após finalizado, foi adquirido por uma plataforma de streaming, na qual acabou sendo lançado diretamente). Ou seja, não apenas chove no molhado, como ainda deixa lembranças não muito marcantes pelos caminhos que escolhe percorrer, tanto pela falsa ousadia, como também por assumir riscos calculados que produzem escassos resultados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Robledo Milani
4
Victor Hugo Furtado
5
MÉDIA
4.5

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