Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
Pudim (Ailton Graça) e Roque (Wilson Rabelo) fazem parte da velha guarda da escola de samba paulistana Vai-Vai. São figurinhas carimbadas do bairro do Bixiga – muito atrelado à colônia italiana, mas que tem uma raiz negra pouco comentada. O que os une é uma amizade de décadas e a parceria musical que os tornou lendários por aquelas bandas. E o que de melhor O Pai da Rita tem é justamente a construção dessa vizinhança afetuosa, pano de fundo que muitas vezes se torna bem mais interessante do que o conflito familiar anunciado pela premissa. Os sambistas transitando pelos lugares de sempre é uma boa estratégia narrativa para revela-los ao espectador. Somos rapidamente introduzidos no boteco favorito dos sambistas, onde o atendente vivido por Francisco Gaspar é aquele inconfundível confidente que deve ter se tornado um pouco ranzinza pela convivência com a malandragem dos boas-praças. Ganhamos acesso à casa da que parece ser o pilar moral da comunidade, a Tia Neguita (Lea Garcia), cuja autoridade deve ter sido conquistada pela idade e seu temperamento firme, mas gentil. Também somos convidados à missa local, ao ponto de prostituição mais conhecido do Bixiga, ao local de sempre da roda de samba, ao apartamento dos protagonistas, enfim, a todos esses espaços que carregam histórias. Essas tramas do contexto são bem costuradas por Joel Zito Araújo.
No entanto, o cineasta perde a mão nesse processo de tentar nos tornar íntimos das pessoas e dos cenários que são fundamentais a todas elas. Há cenas que soam como comentários desnecessários, vide a confissão do homem do boteco sobre as preferências sexuais da mulher com quem anda saindo. Macaxeira (Gaspar) é simplesmente o atendente do bar e suas interações com os protagonistas são mais que suficientes para sabermos quem ele é (dento do que a história lhe exige). Então, a cena mencionada serve basicamente de escada para o personagem de Aílton Graça rir da prática comumente conhecida como “fio terra”. Aliás, Pudim deve ter alguma coisa mal resolvida com a sua fase anal (Freud, corre aqui, por favor), pois na cena imediatamente seguinte ele associa a beca do parceiro musical com uma possível visita ao médico para fazer exame de próstata. É claro que a reiterada incorreção política serve a um retrato menos floreado do cotidiano, mas especificamente as manifestações em sequência sobre o cu alheio soam como algo sem propósito, sobretudo porque não são trabalhadas como sintoma de algo. O Pai da Rita parece um bom primeiro episódio de uma obra maior, principalmente pelo privilégio conferido ao desenho desse mundo rico, repleto de carinhos e peculiaridades. Tanto que o imbróglio sobre a paternidade da desconhecida demora demais a aparecer.
Por cerca de dois terços, O Pai da Rita é praticamente um enredo sem muitos conflitos. Joel Zito Araújo parece mais preocupado em consolidar esse universo, tratando de torna-lo reconhecível e dotado de personalidade. Nesse percurso há também uma vontade de garantir que os homens e as mulheres nos cheguem como seres sociais conscientes politicamente. Para isso, de cara, temos uma foto linda de Marielle Franco destacada numa transição (como se a rua presentificasse a vereadora carioca brutalmente assassinada em 2018), cartazes visíveis que clamam pela liberdade do ex-presidente Lula e alguns diálogos posicionados de quando em quando. Exemplo deles é a prostituta vivida por Elisa Lucinda lamentando a transformação do bairro pela especulação imobiliária. Noutra cena, Roque questiona a adesão da jovem vizinha aos aplicativos de entrega, para isso trazendo à tona uma reflexão sobre a “uberização” das relações de trabalho. Em que pese a importância dessas manifestações, ainda mais dentro de uma comédia romântica de proposta leve, elas não se encaixam naturalmente, estando mais para vinhetas de teor progressista Primeiro, pela maneira empostada como são enunciadas. Segundo, porque essas compreensões de vida não parecem vitais às personalidades de quem as manifesta, soando como falas isoladas, situações em que discursos passam por cima da naturalidade.
A sensação de que O Pai da Rita parece um bom primeiro episódio de série aumenta quando, finalmente, faltando cerca de 30 minutos para o filme acabar, o conflito familiar aparece. Rita (Jéssica Barbosa) anuncia ser filha de uma antiga e já falecida passista da Vai-Vai e que deseja saber quem é seu pai. Tudo que deriva dessa novidade responsável por chacoalhar um mundo cheio de afetos (alguns mal e outros bem resolvidos) é construído com displicência. A euforia de Pudim por “ter” uma filha, o segredo mal guardado de Roque, as expectativas da novata, tudo isso é desenhado apressadamente e com doses de previsibilidade que tornam os desdobramentos quase desinteressantes. As nuances emocionais são sacrificadas em prol de uma situação calculável que envolve afeições imediatas e o rompimento da amizade que deve ter sobrevivido a tantas outras tempestades. No meio de tudo isso, o filme também não se detém como poderia na (frequentemente sugerida) dificuldade de as gerações mais velhas conviverem com as atuais. Dentro disso, a má vontade de Pudim com o sambista Vadinho (Sidney Santiago) sequer é utilizada para aprofundar a ideia de que os protagonistas sofrem diante da modernidade. É uma noção que está ali, à deriva. O saldo é a deliciosa vizinhança do Bixiga repleta de figuras carismáticas e um emaranhado de apontamentos que são bons esboços de algo que poderia ser.
Filme visto durante o 23º Festival do Rio, em dezembro de 2021.
Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)
- Calígula: O Corte Final :: Produção polêmica volta aos cinemas em versão inédita - 19 de novembro de 2024
- Na Linha de Fogo :: Longa dirigido por Afonso Poyart começa a ser filmado no RJ - 19 de novembro de 2024
- Ouro Verde - 19 de novembro de 2024
Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 5 |
Robledo Milani | 6 |
Alex Gonçalves | 4 |
Celso Sabadin | 7 |
MÉDIA | 5.5 |
Deixe um comentário