Crítica


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Sinopse

Prestes a lançar uma música que pode, finalmente. o colocar no topo das paradas de sucesso, Roque precisa juntar forças e os vizinhos para evitar que a sua amiga Neusão perca o restaurante mais animado do Pelourinho.

Crítica

Mais de 15 anos depois do filme original, Ó Pai, Ó 2 chega às telonas com quase a mesma trupe que conquistou os espectadores de cinema e também os telespectadores – tendo em vista que houve a versão televisiva veiculada entre 2008 e 2009. Roque (Lázaro Ramos) continua sendo o cantor boa praça em busca de sucesso. Agora pai de um menino super esperto, ele está às voltas com a expectativa de divulgar ao mundo a música que finalmente (talvez) o tornará famoso. Mas antes ele terá de liderar uma verdadeira brigada de auxílio comunitário, pois Neusão (Tânia Tôko) é despejada do seu tradicional restaurante localizado na área turística do Pelourinho. As desventuras do protagonista, como também as de todos os coadjuvantes, acontecem em torno desse conflito maior, ao largo da luta pela manutenção da identidade cultural num dos locais mais importantes da capital baiana. Dirigida por Viviane Ferreira, a continuação preserva o aspecto cativante desse grupo de personagens carismáticos, mas rapidamente se perde num excesso de subtramas mal desenvolvidas e encadeadas. Em menos de 90 minutos, são tantos personagens e assuntos misturados de modo displicente que fica difícil saber exatamente do que o longa-metragem trata. De um lado, há uma evidente vontade de manifestar posições progressistas e gregárias (o que é ótimo). Do outro lado, existe a incapacidade de extrair desse caldo de boas intenções a unidade que desperte o interesse na plateia. O resultado decepciona.

O primeiro ponto interessante de Ó Pai, Ó 2 é o retorno de grande parte do elenco original. O segundo aspecto positivo é a inserção de uma nova geração que sinaliza não apenas a passagem do tempo, mas a necessidade de se adequar aos movimentos de renovação. O clipe que abre o longa-metragem mostra atendimentos espirituais online (com direito a cadeira gamer), comerciantes recorrendo a entregas para garantir o sustento de seus estabelecimentos, jovens ganhando elogios das professoras por dominar os labirintos do metaverso, realidade virtual, entre outros indícios de que o filme está conectado com o agora, não querendo o relativizar por meio da confortável nostalgia. Há um equilíbrio entre o saudosismo e a adoção de elementos da atualidade, nunca um discurso reacionário avesso às mudanças. De fato, a produção exala a cada momento essa vontade muito genuína de tocar em tópicos socialmente relevantes, aproveitando até mesmo os instantes menos importantes para manifestar essa necessidade de repensar atitudes para garantir um futuro melhor a todos. No entanto, o roteiro assinado por Elísio Lopes, Daniel Arcades, Igor Verde e Viviane Ferreira, e que contou com a colaboração de Luciana Souza, Rafael Primot e Bando de Teatro Olodum apresenta uma sucessão de pautas importantes, mas banalizadas pela rapidez da abordagem de cada uma. Nem bem uma questão é lançada e ela some rapidinho do mapa para o surgimento de outra não menos mal trabalhada.

Gentrificação, apropriação intelectual, saúde mental, mães privadas dos filhos pela ação da polícia, reações adversas diante da adoção de três jovens moradores de rua, paixões (antigas e novas), apagamento do patrimônio histórico, convivência geracional, dificuldade econômica pós-pandemia, constituição de famílias diversas e a urgência de preservar espaço aos artistas locais. São alguns dos assuntos enfraquecidos pelo andamento desleixado que banaliza as coisas por conta da pressa. Fica a sensação de que o resultado foi fortemente alterado por alguém que impôs uma metragem reduzida ou saldo da dificuldade com alguns segmentos que se acumulam desnecessariamente como vinhetas sem consistência dramática. O fato de Roque ser pai só não é totalmente irrelevante em virtude das sacadas do menino (que reiteram a diferença geracional vista em outros instantes do filme). Do mesmo modo, o recorte trágico protagonizado pela mãe que começa a ter visões decorrentes do luto dilacerante é praticamente uma nota de rodapé que serve como exemplo do que acontece a outras porções do filme: surge com bom potencial, mas é diluída por uma avalanche de outras problemáticas costuradas descuidadamente. Lá pelas tantas, a tão celebrada brigada de salvamento do restaurante/ponto de encontro da irritada Neusão perde quase completamente a importância, pois o roteiro está tratando de outros apontamentos desalinhados de modo crescente, justamente por essa falta de desenvolvimento.

Avançando de modo um tanto desconjuntado, Ó Pai, Ó 2 faz uma força danada para encaixar o maior número possível de pautas afirmativas nos seus enxutos menos de 90 minutos. O efeito colateral dessa estratégia de valorizar os assuntos em detrimento da história a ser contada é um filme ansioso para manifestar opiniões super relevantes sobre temas fundamentais, mas que se esquece de valorizar os personagens, bem como as suas demandas pessoais/coletivas. O longa é uma coleção de esquetes e algumas tentativas musicais – há pelo menos três cenas em que os personagens cantam e dançam as suas reivindicações. Inclusive, numa delas Roque encontra um novo amor, outra situação meio jogada no enredo e que tem pouquíssima relevância. No fim das contas, sem tempo para desenvolver os coadjuvantes e sequer o protagonista, o filme acaba sedo pouco atrativo do ponto de vista do entretenimento e ainda menos enfático nos instantes em que deseja defender alguma posição. A trama principal do imigrante sul-coreano ludibriado por um local para despejar Neusão é resolvida providencialmente, assim como todos os conflitos do filme. Fica realmente a impressão de uma colcha de retalhos mal costurada, diante da qual é possível enxergar a desarmonia improdutiva entre os diversos fragmentos. Principalmente na sua segunda metade, essa continuação decepciona por desperdiçar personagens, situações e agendas sociais importantes. Nem a beleza da Bahia e da sua população resiliente é suficiente.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Robledo Milani
6
MÉDIA
5

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