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Sinopse

Um oficial da reserva arrisca tudo para encontrar seu filho desaparecido durante um passeio pelas montanhas. Contra tudo e contra todos, ele enfrenta os limites da lei e as regras da montanha para salvar o jovem e a namorada.

Crítica

Subir íngremes montanhas nevadas não é um desafio indicado para qualquer pessoa. É preciso bem mais do que um simples desejo de aventura para encarar as partes escarpadas do terreno, as armadilhas inerentes ao acúmulo de flocos de gelo, as mudanças bruscas de clima, entre tantos outros obstáculos. De modo parecido, nem todo realizador é bem-sucedido ao ter nas mãos uma história naturalmente comovente e repleta de potenciais. Há conhecimentos e sensibilidades imprescindíveis para fazer situações dramáticas renderem bons filmes. Daniel Sandu parte de um fato para mostrar os esforços de um pai em busca do filho que se perdeu durante uma trilha com a namorada num cenário traiçoeiro. No entanto, em O Pai Que Move Montanhas o cineasta se acanha diante de, pelo menos, dois temas que poderiam fazer de seu longa-metragem mais do que uma repetitiva observação de buscas frustradas. O primeiro deles é a obsessão motivada pela culpa. Mircea (Adrian Titieni) toma atitudes despropositadas e repetidamente coloca em risco a vida alheia numa missão cega para localizar o seu menino. Mas, o que estaria engatilhando essa atitude extrema? Basicamente, a sensação de responsabilidade por ter abandonado a ex-esposa e ter se distanciado do rapaz? Isso é sugerido de que modo no filme? Por meio de meia dúzia de indiretas e um longo diálogo expositivo. Sem aprofundamento.

O segundo assunto negligenciado em O Pai Que Move Montanhas é o valor da vida. Depois de praticamente esgotar as possibilidades de diálogo com a equipe oficial de resgate, o protagonista monta uma verdadeira operação de guerra/militar para tentar localizar os desaparecidos. E isso apenas é possível porque Mircea teve um cargo de chefia no Serviço de Inteligência do governo romeno. Esse passado lhe dá a prerrogativa de burlar a lei para recrutar homens e equipamentos públicos com fins privados? Além de encarar ligeiramente essa discussão sobre o funcionamento das estruturas do estado, Daniel Sandu passa como um trator sobre a controvérsia que surge quando outra pessoa desaparece na montanha. Mircea é abordado por uma mãe igualmente desesperada, mas dá de ombros e impede que seus recursos (ilegais) sejam utilizados para ajudar alguém numa situação parecida. O que fica implícito nessa ação é que para esse impositivo ex-servidor a vida do filho vale mais do que outras, algo corroborado imediatamente quando ele expõe os brigadistas a riscos de fatalidade. E o que o cineasta faz com esse traço essencial (revelador) da personalidade do homem? O transforma em outro apêndice de uma narrativa que apela ao sentimentalismo em vez de investigar as camadas formadoras de um solo dramaticamente complexo, mas que aqui é sucessivamente simplificado.

Além da omissão diante de questões que poderiam ser melhor desenvolvidas, O Pai Que Move Montanhas se torna cansativo por conta de seu andamento monótono. Há poucas oscilações emocionais, uma vez que o realizador torna tudo basicamente plano no filme. Por exemplo, isso acontece quando ele transforma uma resolução quase camicase – subir a montanha sem preparo específico para tal – em algo equivalente em tom à falta de quartos no hotel para as famílias dos desparecidos pernoitarem. E essa consequente sonolência é confirmada constantemente pelo desempenho monocórdico de Adrian Titieni como o pai que se recusa a entrar num processo inevitável de luto. Bastante famoso na Romênia, o ator (também roteirista, produtor e diretor) não consegue fazer seu personagem ir além do arquétipo do pai-coragem que está disposto a quebrar todas as barreiras para encontrar o filho perdido. Evidentemente, o intérprete é sabotado pela direção inclinada a enfatizar certas previsibilidades do drama familiar. Mas, o intérprete também tem a sua carga de responsabilidade para esse resultado retilíneo. Ele é aparentemente incapaz de transitar pelos estados de ânimo que os diálogos insinuam. São quase duas horas em que as gradações vão perdendo força e morrendo.

Há histórias que contém um potencial quase natural para engajar sentimentalmente o espectador. Quem não se emocionaria diante de um pai tentando salvar seu filho, apesar das probabilidades desfavoráveis? Ou quem não se sensibilizaria ao ver uma mãe tendo suas forças esvaídas à medida que os prognósticos apontam à morte de seu menino? No entanto, cinema não é apenas conteúdo (a trama), mas também forma (de que modo esses temas são apresentados e desenvolvidos). O Pai Que Move Montanhas poderia ter vários vieses como seu principal: a obstinação do homem; a suposta onipotência de uma elite que dispõe da sensação invencibilidade; a discordância veemente dos especialistas; a morte como processo doloroso para cauterizar as culpas do passado; a obsessão pura e simples; a incapacidade de pensar num futuro por força da influência do passado; a intensidade do esforço físico necessário para cumprir uma tarefa inglória. São muitos. De certa forma, tudo isso está citado no filme, mas não o preenche profundamente. No fim das contas, possibilidades se tornam notas de rodapé (o que provoca a sensação de prejuízo constante). Mircea é um protagonista mal desenhado. Poderia ser observado por vários ângulos distintos, mas acaba se tornando o principal refém de um roteiro e de uma direção que não estão muito interessados em enxerga-lo como alguém multifacetado. Daniel Sandu prefere o terreno seguro às armadilhas da obscuridade humana, assim se contentando em reafirmar o óbvio.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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