Crítica
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Crítica
Assim como no seu longa anterior como protagonista (Entre Abelhas, 2015), Fábio Porchat aparece em O Palestrante como um tipo que vai contra a figura com a qual ele se tornou conhecido nacionalmente. Sem apelar ao exagero (Totalmente Inocentes, 2012), à caricatura (O Concurso, 2013), à trama repleta de reviravoltas (Vai que Dá Certo, 2013) ou às muletas que o grupo Porta dos Fundos lhe proporcionava (Contrato Vitalício, 2016), eis que aqui é possível vê-lo próximo do homem comum, porém envolvido por uma situação atípica. Em sua própria filmografia, talvez o que mais tenha se aproximado dessa experiência seja o díptico Meu Passado Me Condena (2013 e 2015). Sim, pois em última instância, há um desenlace romântico em questão motivando o interesse da plateia. Porém, ao contrário dos anteriores, dessa vez não é uma paixão de ocasião, um encontro de almas ou mesmo a busca por um ideal de conto de fadas – por mais que esse também esteja pesando na balança. Ainda mais importante, é um entendimento do personagem consigo mesmo. Uma diferença que termina por contar a seu favor.
Na comédia de Marcelo Antunez, Porchat surge como Guilherme, aquele que acreditava ter a vida perfeita até vê-la ser transformada por completo. Casado, morava em um apartamento pequeno, porém simpático, e estava satisfeito em ter sexo uma ou duas vezes por semana, se tanto. No trabalho, respeitava os horários e atendia até as demandas mais absurdas do patrão, independente do que tais concordâncias pudessem implicar em sua vida pessoal. Ou seja, era o cara certinho, sempre com o cabelo bem alinhado, gravata apertada e indo dormir na hora certa. É o rato de laboratório, que nem reclama estar sendo tratado como cobaia pelo simples fato de que não percebe estar em um labirinto que o leva sempre ao mesmo desfecho, dia após dia. Mas uma hora, como diz o ditado, “a casa cai”. E essa começa a esmorecer, primeiro, quando descobre que a esposa está lhe deixando. Depois, ao ser demitido. Duas decisões que irão lhe afetar de forma drástica. Em comum, no entanto, está o fato de terem sido tomadas por terceiros. E a ele, o que cabe ser feito?
Em uma situação que lhe exige agarrar uma oportunidade que não lhe será oferecida duas vezes, aceita embarcar para o Rio de Janeiro e, ao chegar lá, acaba sendo confundido com outra pessoa e, dessa forma, assumindo uma vida que não é sua, da qual não tem o menor controle, mas que irá permitir que, antes tarde do que nunca, comece a controlar as mudanças de rumo de sua história. Marcelo, a identidade que abraça, é um orador motivacional contratado para comandar os funcionários de uma empresa em crise durante um fim de semana de atividades em grupo. O desafio que tem pela frente, como irá se dar conta, é enorme. E descobrirá ser maior ainda ao se aproximar da contratante, Denise (Dani Calabresa, igualmente eficiente em uma versão mais contida), que lhe revela não ser querida pelos funcionários e que aposta na suposta experiência dele para retomar o controle da situação. Ou seja, não é mais apenas consigo que precisará se preocupar.
Como no legítimo caso do homem errado, Guilherme/Marcelo terá várias pedras em seu caminho, e a maneira que escolher lidar com cada uma delas poderá afetar não apenas a sua permanência naquele ambiente, mas também, e principalmente, a sua ligação com aquelas pessoas, com os quais, aos poucos, começa a se afeiçoar. Do trio de insubordinados – Miá Mello, Paulo Vieira e um inspirado Otávio Müller – a uma improvável dupla romântica em paralelo – Antonio Tabet e Maria Clara Gueiros – passando por um herdeiro em conflito de identidade – Rodrigo Pandolfo – o elenco de coadjuvantes (que ainda inclui nomes como Ernani Moraes, Evandro Mesquita, Debora Lamm e Letícia Lima, entre outros) é dinâmico o bastante para garantir a atenção enquanto se aguarda pelo previsível desenrolar de uma atração passageira em um amor capaz de mudar vidas. São eles, portanto, que se encarregarão da comédia, enquanto que aos protagonistas restará a árdua tarefa de não apenas transformar suas histórias, mas também fazer delas um exemplo a ser seguido.
Guilherme possui um segredo, e a mentira que tenta a todo custo defender é daquelas com data de expiração: ele mesmo sabe que não poderá persistir nela por muito tempo. Uma vez que o afeto – e o nascer de um novo vigor a respeito de suas ambições e desejos – novamente lhe ocupa, tentará a todo custo mantê-lo aceso consigo. Está na busca por este equilíbrio entre tensão e leveza que O Palestrante mantém seu interesse desperto, como mensagem e lição, mas também no campo do divertimento provocador e despreocupado. Fabio Porchat e Dani Calabresa funcionam como casal, ao mesmo tempo em que se mostram confortáveis na presença um do outro, como velhos amigos prontos para mais uma aventura. O envolvimento deles e esse processo de descoberta e amadurecimento pelo qual atravessam se estende ainda através da tela, servindo como ambiente de conforto e segurança. Entretém e ainda estimula uma reflexão não desprovida de profundidade? Pode parecer melhor do que a encomenda, mas é o que aqui se verifica, sem maiores concessões e confiando no parceiro que muitas vezes é desprezado pelo gênero: a inteligência do espectador.
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