Sinopse
Crítica
Um garoto (Maxime Bachellerie) e uma garota (Naomie Vogt-Roby) se encontram no parque numa bela tarde de verão. Eles caminham, conversam sobre assuntos triviais e, aos poucos, superam a barreira inicial da timidez estabelecendo uma conexão, se descobrindo e se apaixonando. Chega, então, a noite, e o calor da atração juvenil dá lugar à inquietação e ao desalento causados pela separação, que se revelará mais impactante para um dos dois. A premissa de O Parque, segundo longa do francês Damien Manivel, exala um ar minimalista estendido ao seu registro: os planos fixos, a ausência de trilha sonora, a ambientação reduzida etc. Esse aparente despojamento, embalado por um meticuloso rigor formal, já se apresentava em Um Jovem Poeta (2014), primeiro trabalho do diretor, que recorre novamente à fuga para a paisagem natural, trocando o horizonte litorâneo pelo bucolismo do parque, cenário único aqui.
Ainda em relação ao longa anterior, o cineasta mantém o seu olhar direcionado à juventude, com protagonistas que ainda tateiam um mundo a ser desbravado, iniciando sua trajetória de amadurecimento. Os diálogos aparentemente corriqueiros do casal adolescente transmitem a devida pureza, tratando de relacionamentos familiares, de gostos e lembranças da infância. Essa ingenuidade, justificada, surge também na tentativa do rapaz de adentrar o universo adulto, abordando um tema mais complexo ao citar Freud como seu filósofo favorito e fazer um resumo simplista sobre a análise do comportamento humano. Tal citação, contudo, não é gratuita, já que o exercício de interpretação do comportamento, quando aplicado aos gestos e atitudes do próprio garoto, acaba se mostrando revelador em retrospecto – como ao cobrir o rosto quando a companheira decide tirar uma foto.
Todo o primeiro ato é centrado na interação do casal, com raras intervenções de terceiros, estabelecendo a total empatia por sua relação idílica. Essa abordagem tão direcionada serve para amplificar os efeitos da ruptura causada pela virada na narrativa, que se dá pela chegada da noite, subvertendo as expectativas. Uma virada marcada pelo belíssimo plano-sequência, sem diálogos, em que a menina troca mensagens via celular com seu amado. A mudança gradual de seu semblante, externando uma angústia crescente frente ao que lhe é revelado, conforme a escuridão envolve o ambiente, é arrebatadora, provocando uma alteração completa no tom do longa e expondo o domínio de Manivel sobre sua proposta. Ainda que drástica, tal transição, na qual a trama abandona a realidade naturalista para se aventurar pela esfera onírica, ocorre de modo completamente orgânico.
Se em seu primeiro longa o cineasta já flertava com o fantástico e o sobrenatural – na cena do encontro com o fantasma do velho poeta – aqui ele se arrisca em um mergulho bem mais profundo. Coberto pelas sombras, o cenário do parque também sofre uma metamorfose, adquirindo uma característica quase opressora, que contribui para a criação da atmosfera de pesadelo, de delírio. Enquanto a parte inicial e solar do longa ainda ecoa as inspirações de Manivel na Nouvelle Vague – a qualidade contemplativa que remete a Éric Rohmer – ou ainda em nomes mais marginais do cinema francês – os últimos trabalhos de Paul Vecchiali vem à mente na mescla do rigor formal com a experimentação dentro de recursos limitados – o salto na escuridão dos devaneios da parte final, por vezes, se aproxima do sensorialismo das jornadas fantasmagóricas do tailandês Apichatpong Weerasethakul.
Ainda que não carregue as particularidades culturais de obras com Cemitério do Esplendor (2015) ou Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (2010), é possível enxergar um diálogo entre estas e O Parque no modo autêntico com que o elemento insólito é introduzido e se mistura ao real. É nesse cenário de suspensão do concreto que a garota realiza sua caminhada reversa – uma representação do desejo de voltar no tempo e esquecer o dia em que conheceu o rapaz, bem como uma alusão à regressão, o “descer a escada do subconsciente”, através da hipnoterapia, tema que povoa uma das conversas do casal – e também onde encontra um novo e importante personagem: o guarda florestal do parque (Sobéré Sessouma).
Manivel faz dessa figura uma espécie de encarnação de Morfeu, o deus dos sonhos na mitologia grega, que assume um papel de guia e protetor, mas também de ameaça. Uma dualidade estampada no olhar fixo que Sessouma dirige a ela enquanto conduz o barco por entre a penumbra. Nesse momento, o diretor coloca a protagonista diante da derradeira encruzilhada, dividida entre a vontade de apagar as más lembranças para diminuir seu sofrimento e o impulso de se agarrar – traduzido de modo literal nas imagens – ao que há de mais doce nessas memórias para revivê-las. Com o raiar de um novo dia e a vida voltando ao parque, vemos a garota subir a escada. Talvez curada de sua dor, talvez não. É o tom enigmático que ressoa na obra, mas sobre a habilidade de Manivel em extrair a força evocativa de sua aparente simplicidade, não fica nenhuma dúvida.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Leonardo Ribeiro | 8 |
Francisco Carbone | 10 |
MÉDIA | 9 |
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