Crítica
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Crítica
Há poucas semanas, estreava nos cinemas uma cinebiografia nacional de um pianista que, no entanto, evitava destacar essa atividade no seu título, optando por uma outra mais, digamos, popular. O filme em questão era João: O Maestro (2017), com a trajetória de vida de João Carlos Martins, que em suas quase duas horas de projeção, tem certamente três quartos da trama dedicados ao talento do homenageado nos teclados, para apenas no final – e por motivos que o impediram de continuar exercendo seu dom primário – enfocar sua atual ocupação como regente. Oportunamente, chega agora aos cinemas o documentário O Piano que Conversa, uma aposta radical que tenta inverter essa questão, mostrando que o instrumento nobre e de proporções estáticas pode, sim, se comunicar com um público maior, não ficando restrito às câmaras e conservatórios elitizados.
O homem por trás desse projeto é Marcelo Machado, diretor que há anos vem se dedicando a observar a música nacional através do audiovisual. São deles, por exemplo, os longas O Sarau (2011) e Tropicália (2012), além das séries Música Brasileira (2000) e O Som da Orquestra (2016). O Piano que Conversa nasceu em conjunto com outro documentário, Música Pelos Poros (2017), esse ainda inédito. Ou seja, como se percebe, familiaridade com o tema não lhe falta. E é justamente por esta proximidade que se entende sua vontade de não apenas entregar mais do mesmo, mas buscar outras formas de privilegiar o som através da imagem. Desta vez, portanto, o resultado oriundo dos dedos do músico e produtor Benjamim Taubkin – o verdadeiro condutor em cena – assume um protagonismo inédito, eclipsando falas, diálogos, depoimentos, análises e declarações. O que importa, portanto, é a arte e o sentimento que dela surge, fazendo desta jornada uma experiência única e singular.
Taubkin já se apresentou em diversos países da América do Sul e de todo o mundo, buscando constantemente renovar suas parcerias artísticas com artistas como ele, inquietos e criativos. Machado, ciente desta natureza, parte da Loja dos Pianos, um dos últimos redutos puristas desse instrumento clássico em São Paulo, para, ao lado do pianista, se aventurar por outras paragens. A criação do objeto que possibilidade o nascer da arte é também feito em paralelo com a composição dos parceiros que o acompanharão neste caminho. A sintonia é almejada tanto nos acordes como nos sons captados nas ruas. A sinfonia urbana, tão próxima de cada habitante das grandes cidades, ganha, assim, poesia e melodia. Não são mais necessárias explicações ou conceitos: a resposta do instinto é muito mais imediata.
E se as palavras são ruídos – elas estão lá, mas colocadas de tal forma que ficam além da cognição – o que resulta é a cacofonia de diferentes sons que, juntos, deixam de ser ruídos e ganham, sob a lente do cineasta, uma unidade que envolve e potencializa seus elementos, fazendo do conjunto algo maior que suas partes em separado. Assim é em cenários conhecidos, mas também em outros prestes a serem explorados, como as selvas do interior boliviano ou os arranha-céus do urbanismo sul-coreano. Taubkin não fala, nem mesmo olha para a câmara, mas sabe que ela está lá, ao seu lado. Então, ao tocar com músicos não só da Bolívia ou da Coréia do Sul, mas também da Polônia ou Moçambique, entre outros, mostra que a universalidade do que faz está além de fronteiras ou idiomas. Está no sentimento que proporciona.
É assim, portanto, que nasce O Piano que Conversa. Ele se comunica, é fato, mas através dos meios que domina, e não da forma que nós, receptores, poderíamos imaginar num primeiro momento. E o filme gerado a partir dessas observações também combina com uma recepção mais lírica, quase lúdica, que brinca com nossas emoções e permite que sejamos levados pelos tons criados por melodias e canções passíveis de uma compreensão não cerebral, mas sensitiva e à flor da pele. É uma obra que alguns poderão dizer ser para poucos, e assim será se aqueles com quem deparar exigirem o racional acima da emoção. Agora, qualquer um aberto à expressão e à multiplicidade das formas deverá encontrar nele uma experiência única, não isenta de tropeços, mas rica de significados.
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